Crítica

Crítica: 'Depois do Casamento' não compreende força do melodrama

Remake dirigido pelo norte-americano Bart Freundlich, que abriu o Festival de Sundance deste ano, entra em cartaz nesta quinta-feira (19) nos cinemas do Recife

João Rêgo
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João Rêgo
Publicado em 17/09/2019 às 14:51
Divulgação/Diamond Films
Remake dirigido pelo norte-americano Bart Freundlich, que abriu o Festival de Sundance deste ano, entra em cartaz nesta quinta-feira (19) nos cinemas do Recife - FOTO: Divulgação/Diamond Films
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Depois do Casamento (2007), obra da dinamarquesa Susanne Bier, carregava pequenos lapsos de um cinema autoral; as concepções de planos influenciadas pelo Dogma 95 conversavam inventivamente com a paixão (rara) da diretora pelo melodrama. O resultado, apesar dos pesares, foi uma obra até certo ponto diferente dos tradicionais “dramalhões americanos”. O que, inclusive, levou o filme à disputa do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007 (prêmio que a diretora venceria em 2010 com a produção Em Um Mundo Melhor).

Depois do Casamento (2019), remake dirigido pelo norte-americano Bart Freundlich – que entra em cartaz nesta quinta nos cinemas do Recife –, parece cair em tudo que a dinamarquesa tentou escapar. As tensões da trama e a sua inventividade dão lugar agora a uma direção automática, mais interessada em propor significações a partir de mudanças no roteiro do que propriamente explorá-las de outras formas.

A trama gira em torno de duas mulheres – que agora ocupam o lugar das duas figuras masculinas do primeiro filme. São elas Julianne Moore (esposa do diretor na vida real) interpretando uma rica empresária bem-sucedida, e Michelle Williams, na pele de uma “outsider” gerente de um orfanato na Índia. Precisando de dinheiro para o estabelecimento, ela recebe uma proposta milionária de Theresa Young (Moore), na condição de viajar até Nova York para convencê-la a doar fundos para o local. Ao mesmo tempo, na perspectiva de Theresa, a acompanhamos planejando o casamento da sua filha mais velha. A tensão melodramática se desenvolve a partir do momento da ida de Isabel (Williams) à celebração – o que revela seu envolvimento com o marido de Theresa (Billy Crudup) – um artista plástico, e com a filha do casal. A partir disso, a trama gira em torno de dúvidas; qual as relações entre eles e os porquês por trás desses reencontros?

Para Bier, em 2007, as respostas residiam no melodrama. Arrastá-las até onde puder, e extrair ao máximo da frontalidade do drama um jogo turbulento de emoções. Tensiona, sofre, revela e expurga, reiniciando a cada dúvida que insiste em surgir na trama (e são muitas). Através das figuras masculinas, a dinamarquesa ainda conseguiu atiçar conceitos de masculinidade dentro dos elementos do drama. Não que seja uma grande novidade ao gênero mas, funcionalmente, o longa de Bier consegue estabelecer um interessante jogo de dúvidas, respostas e desenvolvimento dramático do início ao fim.

Freundlich vai por outro caminho. A troca de gêneros dos personagens, por exemplo, propõe uma nova dimensão à obra – que é pouquíssimo explorada, todavia. No seio da dualidade entre suas protagonistas, o norte-americano cria um “confronto” sutil e raso.

Isabel tem cabelo curto, odeia formalidades e usar saltos, além de encarnar na sua personalidade a típica benevolência do “primeiro mundo vai ao terceiro mundo”. Já Theresa é rica, controladora e individualista – seus problemas, que na maioria movem o filme, circundam sua própria órbita e só dizem respeito a seus interesses (que envolvem desde a sua filha, a empresa e o marido). É o que basta para tentar, de uma forma ou de outra, aproximar ou separar as duas.

OPOSTOS E CONTRASTES

Nesse meio, o filme joga com os opostos – o contraste entre classes e o individualismo contra a benevolência, principalmente. Talvez seja onde Freundlich mais se aproxime de acertos e, ao mesmo tempo, seus erros tornem-se mais irritantes. O diretor até flerta com uma certa auto consciência; expor caricatamente a realidade daqueles personagens super ricos e suas preocupações supérfluas, que gradualmente vão trazendo à tona suas fragilidades mais íntimas. Mas o contrário acontece, Freundlich se contenta em dar piscadelas de consciência crítica – usando a Índia e a personagem de Williams para um propósito que não diz nada sobre a trama ou parece interessado em discutir afundo o que ele tenta denunciar.

Mesmo que esse aspecto se repita nas duas obras, há uma pequena, mas fundamental, diferença que o relega ao segundo plano: a paixão pelo melodrama. Para Bier a dúvida antecede a emoção, a carrega de sensações até explodir no choro, na raiva ou felicidade. No remake norte-americano, não precisamos mais do que 40 minutos para entender tudo que está acontecendo e vai acontecer no final.

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