TRIUNFO (PE) – Dois olhares atentos se complementam quando as palavras não podem ser ditas verbalmente. Os gestos de delicadeza e brutalidade se somam; a emoção do desespero e da tentativa de confortar o outro (embora não se consiga confortar a si) está naquele diálogo de lacunas e metáforas. Essa cena dos atores Jesuíta Barbosa e Hermila Guedes é uma das tantas e potentes que a dupla vai interpretar em Conto que Vejo, série de TV com direção-geral e roteiro de Hilton Lacerda, cujas gravações aconteceram durante novembro em Triunfo, no Sertão de Pernambuco.
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Na trama de cinco capítulos, programada para ir ao ar no segundo semestre de 2016, no Canal Brasil, Jesuíta é Cristiano, um jovem questionador que se põe no fronte contra imposições de uma sociedade obscura. Anos depois de partir de Desterro, cidade de sua infância, Vitória, vivida por Hermila e mãe de Cristiano, resolve voltar com o filho. O retorno é marcado por reencontros e descobertas azeitadas com mistério e com um quê de fantástico.
Cada capítulo terá duração de 26 minutos e é baseado em contos de autores nordestinos. Quatro deles escolhidos a partir de uma curadoria do escritor cearense radicado no Recife Ronaldo Correia de Brito: Mentira de Amor, do próprio curador; Mateus, de Hermilo Borba Filho; O Dia em que Céu Casou, de José Carlos Viana; Castilho Hernandez, o Cantor e sua Solidão, de Sidney Rocha. O último conto é Fim do Mundo, inédito, de Hilton Lacerda.
“A ideia era não se prender a adaptar os contos, apenas. Então optei por adaptar histórias que têm uma unidade pela narrativa proposta”, explica o diretor, que procurou fugir de um enredo padrão. “A narrativa que seguimos é pautada por uma lógica de game, com simbologias relacionadas mais com o jogo. Não que estejamos adaptando os contos para game. Mas os personagens e locais por onde eles passam vão dando pistas para o telespectador”, afirma. Depois de exibida na TV, a série deve virar um longa-metragem.
A gente precisa ocupar um espaço nas séries de TV como o cinema pernambucano tem conquistado.
diz Hilton Lacerda, diretor e roteirista da série 'Conto que Vejo'
Toda a série foi gravada em Triunfo, há 400 quilômetros do Recife, com casas do século 19 e sítios da zona rural transformados em locações. “Triunfo tem coisas inusitadas, como um microclima que pode situar Desterro em lajedo ou canavial; ao mesmo tempo que possibilita uma boa base de produção”, conta Hilton Lacerda, que divide a direção com Lírio Ferreira, convidado para o projeto. A tranquilidade da cidade reforça a característica fantástica do seriado, ambientado num lugar onde só existem os personagens da história.
Com Conto que Vejo, Hilton Lacerda aposta num novo caminho de produção: séries para televisão feitas em Pernambuco. “A gente precisa ocupar um espaço nas séries de TV como o cinema pernambucano tem conquistado”, afirma o diretor. Neste trabalho, Lacerda assina uma parceira com a REC Produtores, do Recife. O projeto financiado pelo Fundo Setorial do Audiovisual, do Ministério da Cultura, custou R$ 900 mil e envolve 85 profissionais. Entre moradores de Triunfo, oito foram escalados para a equipe técnica, mais quatro para o elenco principal, além de 150 de figuração.
Para 2016, o diretor e roteirista já desenvolve duas novas séries, desta vez uma parceria entre a REC e a produtora paulista Polo Imagem. A primeira delas, que deve ser rodada em abril, se chama Lama dos Dias, e toma como pano de fundo o Recife do início dos anos 1980. A história se debruça sobre uma banda fictícia que seria uma das precursoras do Movimento Mangue. A segunda das séries, como o JC adiantou em agosto, está em fase de pesquisa: Chão de Estrelas, com base na criação coletiva de um grupo de teatro. Já para o cinema, o diretor iniciou o roteiro do seu segundo longa, Fim de Festa, a ser gravado em fevereiro de 2017.
ENCONTROS
Conto que Vejo marca o reencontro de Jesuíta Babosa com Hilton Lacerda, dois anos depois do longa-metragem Tatuagem, no qual o ator foi revelado ao Brasil no papel do soldado Fininha. “Pensei em Jesuíta para o papel, mas como ele começou a ser acessado demais por outros trabalhos, não sabia se com a verba de produção seria fácil tê-lo no elenco”, conta Lacerda, que tão logo fez o convite recebeu um “sim” – com enorme entusiasmo – de Jesuíta.
“Eu me sinto um privilegiado por trabalhar com Hiltinho”, confessa o ator, que em janeiro estreia a minissérie Ligações Perigosas, na Rede Globo. Em Conto que Vejo, Jesuíta realiza um desejo de adolescência: encontrar Hermila Guedes, de quem ele é admirador. “Conhecia Hermila desde pequeno, quando assisti ao Céu de Suely (filme de 2006, dirigido por Karim Aïnouz e protagonizado pela pernambucana). Quando soube que estaríamos juntos, fiquei ansioso”, diz. Juntos, os dois protagonizam cenas intensas, marcadas pelos seus olhares verborrágicos, reforçados por seus personagens enigmáticos.
A série marca ainda o retorno de Hermila Guedes aos sets – seu último trabalho no cinema foi Era Uma Vez Eu, Verônica, que estreou há três anos. “Hermila faria outro papel, menor, porque acabou de ter uma filha, que está com dois meses. Mas eu quis que ela fizesse Vitória. Conversamos, e ela aceitou. E procuramos oferecer a ela uma estrutura para trazer as (três) filhas para Triunfo”, lembra Hilton Lacerda.
Esta é a primeira vez que o diretor e a atriz trabalham juntos (eles se econtraram, antes, em Amarelo Manga, de 2002, filme dirigido por Cláudio Assis e com roteiro de Lacerda). “Quando vi Tatuagem, pensei: ‘gente, eu quero trabalhar com Hilton. Como queria ter feito esse filme’. E fiquei feliz com o convite para a série”, diz Hermila. “E ser mãe de Jesuíta também é muito especial. Sabia da admiração dele por mim, e queria muito encontrá-lo. Quando o vi no filme, me apaixonei pelo trabalho dele.”
>> A reportagem completa e outros detalhes sobre a série 'Conto que Vejo' estão no Caderno C desta segunda-feira (30)