No Crato, em Noronha, no Sertão ou no mais bravo mar, Francisco José já esteve lá para registrar. E ao completar quatro décadas no jornalismo da TV Globo, ele lança o livro 40 Anos no Ar nesta quinta-feira (22), na Livraria Cultura do RioMar. Antes de chegar ao Recife, o jornalista conversou com o Jornal do Commercio sobre a obra direto da Micronésia, lugar de sua próxima pauta que será exibida na televisão.
JORNAL DO COMMERCIO – Quando conversamos há quatro anos, você já falava que estava escrevendo um livro. Agora, ele está prestes a ser lançado. Como foi o processo de escrita de 40 Anos no Ar?
FRANCISCO JOSÉ – Escrevi em janeiro passado e fui atualizando durante o ano, nas várias etapas de contatos com a Editora Globo. Fui muito incentivado por minha família e por amigos a escrever o livro. E escolhi o título 40 Anos no Ar, porque completei 40 anos de Globo neste ano. Uma eternidade, não? O livro tem prefácio de Sônia Bridi, repórter do Fantástico, com apresentação de José Hamilton Ribeiro, meu ídolo e repórter do Globo Rural. Na contra capa, depoimento de Marcelo Canellas, também repórter da Globo. Escolhi três amigos que só falam bem de mim (risos). E toda a renda do livro será destinada diretamente à Fundação Terra, do padre Airton, que faz um trabalho social maravilhoso no sertão de Pernambuco.
JC – Nesta mesma entrevista, você falou que ia dedicar o livro aos repórteres cinematográficos, pois os considera verdadeiros heróis. A dedicatória está mantida?
CHICO – Claro, a dedicatória foi mantida. Eles são a razão da televisão existir. O repórter é quem aparece no vídeo, mas por trás da câmera tem um profissional, que com sensibilidade e arte, grava as imagens que transmitem a emoção no sentido das reportagens. O telejornalismo não existiria sem eles. Homenageio também todos que trabalham comigo, porque nós representamos um trabalho de equipe, como num time de futebol. É um trabalho coletivo onde o autor do gol aparece, pelos lançamentos que recebe. Ninguém joga uma partida sozinho.
JC – Você percorre o mundo conciliando o perfil aventureiro e, ao mesmo tempo, humanista em suas reportagens especiais. Existe uma “fórmula Chico José” de matérias?
CHICO – Não me considero com perfil aventureiro. Apenas procuro as pautas mais difíceis, que dão trabalho de fazer, porque pra mim são as melhores. Ou seja: quanto mais difícil, quanto maior for o desafio, eu me sinto mais à vontade para realizar. Não há “fórmula Chico José”. Apenas uma força de vontade muito grande para enfrentar qualquer obstáculo por uma boa matéria.
JC – Você foi um dos responsáveis a revelar Fernando de Noronha, patrimônio natural da humanidade, para o mundo. Existe algum ponto de Pernambuco que ainda precisa ser “descoberto” por você?
CHICO – Um dos capítulos do livro é Descobrindo Fernando de Noronha. Comecei a fazer reportagens quando a nossa ilha ainda era base militar. E consegui em mais de 200 matérias, mostrar a beleza do arquipélago. Fiz o mesmo com os carnavais de Olinda e Recife, em 40 anos de reportagens. Fazenda Nova, desde os primeiros espetáculos, destacando a obra de Plinio Pacheco. A beleza do nosso litoral, a cultura e toda a riqueza pernambucana. Acho que já estive em todos os recantos do nosso Estado.
JC – No livro, você compartilha experiências de coberturas em seis Copas do Mundo, duas Olimpíadas, e também de assuntos mais fortes, como a Guerra das Malvinas. Além de um assalto a banco em que você se ofereceu para substituir uma refém. Qual foi a vivência que você fez questão de contar nesta obra e porquê?
CHICO – É uma longa vivência, em 40 anos de atuação como repórter da principal emissora de televisão do país. Percorri os cinco continentes, mergulhei nos sete mares, fui às extremidades norte e sul do planeta e estou agora respondendo suas perguntas num quartinho de pousada de frente para o Oceano Pacífico, na ilha de Yap, gravando o meu 98º Globo Repórter. O que estou contando no livro são histórias da longa jornada de um repórter do sertão, que correu o mundo, em busca de grandes reportagens.
JC – Você nunca fez questão de esconder seu sotaque nordestino. E antigamente, havia uma certa restrição no jornalismo da Globo sobre isso, algo que tem se modificado de forma significativa nos últimos anos. Você percebeu essa mudança?
CHICO – A restrição foi apenas quando entrei na emissora, porque haviam poucos repórteres autorizados a entrar no Jornal Nacional. Eu fui o primeiro sotaque nordestino. Mas logo depois os profissionais de todos os Estados puderam falar com o seu regionalismo. Não tinha sentido um sertanejo falando com sotaque carioca, não é verdade? Tenho orgulho da minha origem nordestina. Sempre recusei os convites para morar no Rio ou ser correspondente internacional, porque sou nascido no Crato e enraizado no Recife. Ninguém me tira daqui. Eu dou a volta ao mundo, como estou fazendo agora, ma sempre volto pra casa, na praia de Boa Viagem.
JC – Em 2010, você foi homenageado no Bloco Quanta Ladeira. “Chico José tá no fundo do mar / Chamando os golfinhos pra entrevistar”, dizia um dos trechos da paródia. Você gostou do reconhecimento na época?
CHICO – Adoro o Quanta Ladeira e encarei a brincadeira como uma homenagem de Lenine e Lula Queiroga, que tanto admiro. Tem uma parte da letra que você não citou, dizendo que estou fumando maconha em Fernando de Noronha. Ri muito com a sátira, porque nunca fumei nem cigarro normal, nem sou contra os que fumam.
JC – Para quatro décadas de profissão, 246 páginas talvez seja pouco para contar tudo. Já é possível pensar em outro livro?
CHICO – Eu resumi tudo em 246 páginas. Em televisão a gente aprende a contar em dois minutos de matéria o que poderia ser uma página inteira de jornal. Não penso em escrever outro livro. Minhas filhas, Marianne, Carolinne e Carla Beatriz, que já leram 40 Anos no Ar, cogitaram essa possibilidade de escrever outro. Digo brincando para a família, que só se for “Escrava Beatriz”, em homenagem à minha mulher, porque essa sim, trabalha demais! Ainda não vi o livro. Desde que saiu da gráfica, estou aqui na Micronésia, há um mês. Vou voltar direto para o lançamento no Recife.
JC – Hoje você está na Micronésia fazendo matérias. Existe alguma pauta que você ainda não teve a oportunidade de fazer?
CHICO – Estou concluindo hoje mais uma matéria que lutei muito para fazer. É uma pauta cara, difícil de fazer, que vai surpreender os mais exigentes dos telespectadores. Pela beleza dos arquipélagos onde estamos, pelas curiosidades (uma ilha tão isolada onde o dinheiro é de pedra), destacando imagens belíssimas do fundo do mar. Mais um trabalho de equipe que certamente vai conquistar boa aceitação do público. No próximo ano devo chegar a cem edições do Globo Repórter, o que é um recorde. Vou pedir à direção da Globo para aprovar duas pautas que quero muito ter a oportunidade de fazer.
JC – “Um jornalista não deve abandonar a matéria só porque quebrou alguns ossos”, você disse em outra ocasião. Com quatro décadas de jornalismo bem vividos, já foi cogitada a possibilidade de parar?
CHICO – Quando você me entrevistou há quatro anos, eu havia rompido dois tendões do ombro direito, numa queda na montanha gelada da Cordilheira dos Andes. Fiquei 14 dias com um braço só, mergulhando, andando a cavalo, nas trilhas da floresta, até concluir a reportagem. Na volta ao Recife, fui operado por Dr. Fábio Brandão, fiz fisioterapia com Anne Albuquerque e fiquei bom. Nesta matéria aqui na Micronésia, realizei cerca de 30 mergulhos, alguns em situações bem adversas, cercado por raias mantas gigantes, tubarões e todos os bichos do mar. Quando eu não puder mais fazer isso, que me realiza muito, é porque está na hora de parar.