“Foi bonita, leve e afetuosa a nossa caminhada. Que venham muitas outras...”. Estas frases foram escritas no agradecimento da autora Glória Perez na última página do capítulo 173, que encerra, nesta sexta-feira (20), a novela A Força do Querer, da TV Globo. Celebrando os louros da vitória, a trama desenvolvida por esta carioca de 69 anos recuperou o prazer do público em ver (e discutir) um folhetim, conquistando uma audiência que não se via desde o fenômeno Avenida Brasil (2012), de João Emanuel Carneiro.
Com a serenidade de um trabalho bem feito, a autora conversou por telefone com o Jornal do Commercio para comentar o desempenho e o desfecho de sua 11ª novela. “Foi um trabalho muito feliz. Transcorreu de maneira muito suave, com uma equipe entrosada, se dando muito bem e apaixonada pelo que fazia. Isso mostra que nós conseguimos divertir, emocionar, fazer pensar. Era tudo que eu queria! É bom chegar ao fim de um trabalho com a convicção de que você atingiu o seu objetivo, onde se queria chegar”, disse Glória no início da conversa.
Num momento de humildade e modéstia, a criadora contou que não sabe explicar as razões de tamanho êxito, jogando toda a responsabilidade para os telespectadores: “Difícil te dizer os motivos certos do sucesso. As pessoas gostaram da história. Talvez seja mais fácil perguntar ao público o que eles tanto gostaram”, afirmou timidamente.
Enquanto passamos 6 meses e 13 dias acompanhando, debatendo em casa, com os amigos e nas redes sociais, os rumos de Bibi (Juliana Paes), Ivana/Ivan (Carol Duarte), Silvana (Lilia Cabral), Jeiza (Paolla Oliveira) e Ritinha (Isis Valverde), Glória garante que tudo o que aconteceu foi friamente calculado e seguindo à risca a sinopse – o argumento principal que dá origem a qualquer novela.
“Fiz apenas modificações em pequenas situações. Às vezes você escreve que tal separação vai se dar por um motivo e depois, quando chega na escrita, você encontra um motivo melhor porque já está contando a história com maior domínio do que está acontecendo. Apenas circunstâncias, elas sim, sempre mudam na sinopse, não dá para prever. Mas estruturalmente, a novela seguiu a sinopse sem problemas”, ressalta.
A Força do Querer trouxe luz à questões que se tornaram polêmicas, gerando matérias, repercussões e “textões” nas redes sociais. Uma delas, sem dúvida, foi o enredo da atriz revelação Carol Duarte, que deu vida a uma pessoa trans. O capítulo 128 parou o país com a sequência de sua revelação para os pais sobre o seu gênero, iniciando a transição de Ivana para Ivan.
“Era uma cena muito cuidadosa, isso é o que eu posso te dizer, porque foi o clímax de uma situação que teve de ser muito trabalhada exatamente porque era uma coisa polêmica e não havia uma compreensão do grande público do que é essa problemática, o conflito de ser trans. Então, durante alguns meses, a novela trabalhou levando ao público a angústia da Ivana, tentando criar uma empatia do público com essas angústias. E aquela cena era um desfecho desse trabalho”, relembrou Glória Perez.
Enquanto a autora sensibilizava o público com Ivana/Ivan, a personagem Bibi Perigosa, de Juliana Paes, dividia opiniões. “A trajetória da Bibi é de uma pessoa real retratada de um livro. Então, em linhas gerais, a história da Bibi é aquela. Evidentemente, a minha personagem é uma inspiração. Então pude criar uma série de coisas que não estava na história real, mas em linhas gerais, respeitamos ao máximo a realidade da trama”, explica.
Estas duas personagens em especial também geraram as maiores críticas ao trabalho de Glória: a superexposição da causa trans e a “glamourização” do tráfico. Ao questionarmos qual destas a incomodou mais, a autora não pensou duas vezes.
“Nenhuma. A temática trans eu esperava um pouco porque, evidentemente, existem pessoas muito conservadoras, mas a novela não está inventando a condição do trans. Estamos fazendo um recorte da vida real, e nesse recorte se incluem as pessoas trans, pois elas estão aí, na vida de todo mundo. Então ter pessoas que não querem aceitar isso, é uma coisa. Quanto à glamourização do crime, isso é um absurdo tão grande que não dá para levar à sério. Veja bem: eu tenho uma personagem, uma protagonista, que é a Jeiza, que foi uma grande homenagem à PM. A Jeiza foi uma mulher, PM corretíssima, onde mostrei todos os valores dos excelentes policiais. E parece que ela foi invisível para as pessoas que querem polemizar”, justifica.
Ainda sobre o núcleo do Morro do Beco, Glória se permitiu brincar com a situação. “Me pergunto onde está a glamourização. É por que estou mostrando os traficantes? Nestas bobagens que falam, disseram que a novela ensinou traficante a esconder fuzil. Se os traficantes aqui do Rio aprendessem a guardar fuzil e a enfrentar a polícia através da novela seria bom demais, porque eles estariam condenados há muito tempo”, disse aos risos.
Sucessos e polêmicas à parte, A Força do Querer sai de cena hoje com sua missão mais que cumprida. Bem que tentamos arrancar algo do que acontecerá hoje à noite, mas Glória Perez preferiu o mistério. “Nem pensar! Nem pensar! Façam suas apostas aí”, concluiu a sorridente autora.