Cada vez mais a cultura pop não consegue desapegar dos sucessos passados, principalmente no audiovisual, esticando-os em forma de sequências, remakes e revivals. Outra forma dessa extensão são os chamados spin-offs, em que são explorados elementos específicos de uma produção em uma nova obra, algo como fez Star Trek, por exemplo, que desenvolveu filmes e outros seriados derivados da série original.
Os resultados, geralmente, não costumam fazer jus ao material de origem, talvez por apenas se amparar nele, sem um novo sopro criativo. Entretanto, é de Breaking Bad, um dos mais celebrados fenômenos televisivos das últimas décadas, que vem uma das mais bem-sucedidas investidas nesse sentido.
Afastando-se de Walter White e Jesse Pinkman – pelo menos, por enquanto —, Better Call Saul chega em sua quarta temporada, produzida pela Netflix em parceria com a AMC. Criada e escrita por Vince Gilligan, também responsável por Breaking Bad, junto a Peter Gould, a atração se volta para a construção de dois personagens do trabalho original: o advogado Jimmy McGill (Bob Odenkirk), que lá era conhecido como Saul Goodman e ajudava a dupla White-Pinkman, e o ex-policial Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks), capanga do chefão das drogas Gustavo Fring, ambos na jornada que construirão suas personalidades vistas anteriormente.
Já é confirmado que Better Call Saul encontrará sua série-mãe de duas maneiras: no número de temporadas, com a sua quinta temporada já confirmada, e nos eventos da narrativa em si, com Gilligan afirmando que as linhas do tempo vão começar a se encontrar. O que fica em aberto é se ela conseguirá igualar-se no quesito da qualidade narrativa. Até o momento, tudo se encaminha para que isso aconteça, fazendo de McGill e Ehrmantraut personagens tão complexos e complexados como White e Pinkman, com Odenkirk e Banks totalmente dominantes e seguros das personas que dão vida.
Em seu favor, a série já começa com um Vince Gilligan calejado, com os cinco anos de Breaking Bad nas costas e um senso de estilo bem apurado. Os excessos melodramáticos e algumas deficiências de ritmo dos primeiros momentos da série original já não marcam tanta presença. A construção da personalidade de Walter White, a âncora narrativa e ponto alto da produção, encontra consonâncias na de McGill. Ambos são homens geniais, um nas ciências, outro na lei e nas interações sociais, mas têm oportunidades negadas pela vida. Assim, diretrizes morais acabam se afrouxando — o advogado talvez tenha uma facilidade maior nesse afrouxamento, mas o argumento continua válido — em favor de se afirmarem como mestres no que fazem.
Se havia algum resquício de insegurança na criação de Better Call Saul, ele pode se encontrar na decisão de incluir uma trama específica para Ehrmantraut, talvez motivado por algum medo de que o enredo sofresse uma menor aceitação do público ao se concentrar apenas nas sutilezas do arco dramático de Jimmy McGill, carecendo de cenas de ação mais extravasadas e cinematograficamente estimulantes. Entretanto, Gilligan confere tensão e dilemas na jornada do ex-policial e suas subtramas, chegando ao ponto de não precisar fazer com que sua história fique se cruzando com a do advogado. Os eventos dela são as que mais se encaminham ao encontro de Breaking Bad, com a presença de personagens dela emanados, como o cartel dos Salamanca e o chefão Gustavo Fring (Giancarlo Esposito).
Até o momento, estão disponíveis dois episódios da nova temporada, lançados às terças no serviço de streaming. Os primeiros momentos estão sendo utilizados para estabelecer as peças nos tabuleiros do advogado e do ex-policial, agora capanga, após os eventos tensos e traumáticos da terceira temporada. A persona falante de McGill agora está mais silenciosa, enquanto lida com a dor e culpa de uma perda e descobre os próximos passos de sua jornada. Tudo isso é pontuado com inteligentes rimas visuais e diálogos sutis, que apontam sua atitude diante do futuro nebuloso, em contraste com o futuro muito animador de Better Call Saul.