Bisneta de índio Fulni-ô, avó materna pernambucana, ascendência paterna oriunda de Santander, na Espanha. É fruto dessa miscigenação a atriz, apresentadora, produtora e empresária Úrsula Corona. Nascida no Rio de Janeiro, mas com sangue nordestino correndo em suas veias, a artista de 37 anos tem vivido sua trajetória artística intensamente, mais precisamente, a serviço da preservação da memória cultural nordestina e também brasileira.
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“Com um pai jornalista e uma mãe bailarina, a arte sempre foi uma ação provocadora em casa. Eu era uma criança tímida, então o teatro foi uma ferramenta para me soltar e me encontrei logo. Comecei a carreira artística na TV Globo com 8 anos de idade”, recorda ela em um papo com o Jornal do Commercio.
“Sempre soube que queria seguir o caminho da comunicação, da atuação, mas sempre quis algo mais. Eu vim de uma família muito mista. Por parte da minha mãe, minha avó é uma guerreira que saiu de Vertentes [Agreste de Pernambuco], se casou com 14 anos e teve 16 filhos. Por parte do meu pai, meu avô foi arquiteto e construiu muita coisa em São Paulo. Então vim de uma família tipicamente da diversidade brasileira e econômica. E sempre percebi que eu queria usar a minha arte para poder tentar fazer um pouquinho de diferença, abrir diálogo, pontes, oportunidades, porque a arte transformou a minha vida”, afirma Úrsula.
Desde que interpretou a pequena Aninha em História de Amor (1995), a atriz passou por trabalhos na TV como O Quinto dos Infernos (2001), O Beijo do Vampiro (2002), e Floribella (2005), na Bandeirantes. Seu talento também a levou além-mar para trabalhar em novelas em Portugal como Sol de Inverno (2013) e a premiada Ouro Verde (2017), vencedora de um Emmy, que em breve será veiculada no Brasil também pela Band.
“Em Portugal, existe muita união na equipe de uma novela. A vaidade ali é fazer um bom produto. Em contrapartida, o ritmo de gravação é mais frenético. Não é como aqui no Brasil que gravamos uma semana antes, até mesmo no dia anterior, para acompanhar o retorno do público. Lá não. Grava-se tudo bem antes. Mas é uma dramaturgia que tem metade do tempo do Brasil, que não para de crescer, já ganhou alguns Emmys e com muita vontade de construir uma identidade, e está construindo”, compara Úrsula.
Assim como o amor pela arte, ela também percebeu cedo que poderia contribuir muito mais através de seu trabalho. Atualmente, Úrsula Corona está à frente de vários projetos audiovisuais que ajudam a manter a cultura brasileira viva através de programas realizados por sua produtora, a Sete Artes Produções. Um deles pode ser visto no canal fechado Music Box Brazil, que é a série O Mago do Pop, que busca resgatar a história do produtor musical Lincoln Olivetti, onde ela apresenta e assina a direção junto com o idealizador do projeto, Omar Marzagão.
“Eu e Omar somos sócios há dez anos. Nos conhecemos fazendo projeto social, então temos uma identidade artística muito próxima. E quando o Omar me chamou, independente da sociedade, para apresentar a série, me vi tão envolvida no projeto, que o Omar disse que eu já estava dirigindo. E me convidou para fazer a direção juntos”, conta ela sobre a produção, que durou seis anos para ficar pronta e ainda tiveram que lidar com a morte do homenageado durante a concepção da obra.
“Foi muito difícil perder o Lincoln no meio do processo e tudo que a gente tinha pensado ir por água abaixo, mesmo com tudo iniciado. Mas aí veio a ideia de chamar os artistas para falar no lugar dele, falar sobre seu trabalho, dessa cabeça curiosa. Foi o processo inverso. E é muito genial porque tivemos Mart’nália, João Donato, Elba Ramalho, Ed Motta, Nelson Motta, Maria Rita, Lulu Santos, Nando Reis, Pedro Luís, Sandra de Sá, Fagner, Michael Sullivan, Daniel Jobim, Marcus Valle, Alcione, Gilberto Gil, muita gente maravilhosa! Tivemos todos os gêneros da música brasileira presentes, mostrando a pluralidade e a genialidade que ele tinha”, explica Úrsula.
Dividido em seis episódios, com roteiro final de Eduardo Costa, Úrsula conta que apresentar foi a parte mais tranquila da série. “É muito bom apresentar uma pessoa que você admira, os olhos se enchem de brilho. Você fala com propriedade porque, para mim, Lincoln é referência. Além disso, temos a indústria da música, através de representantes de gravadoras, e os artistas contando relatos, apresentando Lincoln, falando histórias completamente ocultas, e isso prende o telespectador”, garante.
SANGUE NORDESTINO
A inquietude de Úrsula Corona sobre suas raízes e preservação da cultura brasileira também a levaram a elaborar sua próxima produção: a série investigativa O Silêncio Que Canta Por Liberdade, para abordar a influência da ditadura na cultura nordestina.
“Esse projeto vem de uma pesquisa minha feita há três anos. Eu tinha informações sobre os acontecimentos da ditadura militar no Sudeste. E me perguntei: ‘E no Nordeste? E o coronelismo, já acabou? Ainda existe? Cadê aquela cultura de raiz?’. Por exemplo, poucos sabem que Luiz Gonzaga, que saiu de Exu, foi um dos caras mais generosos que já vi na minha vida, se tem registrado que ele distribuiu mais de mil sanfonas, deu mais de 300 casas. E essa ditadura, teve influência por lá? Não teve? Indiretamente teve? Essa obra vem de uma necessidade de respostas às perguntas da minha pesquisa”, explica a artista.
É por esta razão, inclusive, que Úrsula tem circulado por Recife nos últimos dias: para rever parte de sua família e cuidar do processo final de pesquisa e roteiro deste projeto, que começa a ser rodado em julho. “Meu objetivo é apenas contextualizar essa realidade, esse tempo, essa lacuna, esse hiato, para valorizar e preservar a cultura nordestina. E claro, Pernambuco está muito presente nisso”, reforça.
Outra produção que a artista também está envolvida é no roteiro da série Alceu de Todos os Tempos, sobre a vida e obra de Alceu Valença, com direção de Walter Carvalho.
“Alceu é uma pessoa maravilhosa e criamos uma série de oito episódios com o objetivo de desmembrar a vida e a obra desse artista. Alceu é múltiplo: é cantor, compositor, poeta, diretor... Ele é muita coisa! E isso tudo se soma no palco para se tornar esse artista completo. É especial demais”, derrete-se Úrsula, que se considera amiga e fã do pernambucano.
“É esse Alceu que tenho a oportunidade de conhecer dentro de casa, com a família, com a Yanê (esposa), o Rafa, o Ceceu (filhos) que queremos fazer esse percurso, desde a cidade de onde ele saiu, a esse dia-a-dia, e as fases dele, que são décadas de carreira, fazendo uma ordem cronológica, por isso o título Alceu de Todos os Tempos”, explica a artista. A obra tem previsão de gravação ainda para este ano e lançamento para 2020.
Diante de tanto talento e a missão de celebrar grandes legados da cultura nordestina e brasileira, Úrsula Corona segue firme nesse propósito de fazer a diferença através de sua arte, seja na frente ou atrás das câmeras.
“Quero fazer cultura para o nosso País, mas quero que ela saia daqui também. Que outras pessoas e culturas conheçam e consumam a nossa. É preciso conhecer essas pessoas. E eu, como sangue pernambucano, me sinto na obrigação de contribuir um bocadinho”, conclui.