Aos 31 anos, a atriz brasiliense Camila Márdila faz sua estreia nas novelas em Amor de Mãe, da TV Globo, onde interpreta a ativista radical Amanda.
Em entrevista ao Jornal do Commercio, a artista, revelada no filme Que Horas Ela Volta? (2015), relata como está sendo essa experiência, as nuances de Amanda, maternidade e reflete sobre o discurso ecológico da trama de Manuela Dias. Confira.
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ENTREVISTA // CAMILA MÁRDILA
JORNAL DO COMMERCIO – Camila, Amor de Mãe é a sua primeira novela da carreira. Como tem sido a experiência?
CAMILA MÁRDILA – Novela é a minha primeira obra aberta. Tem sido uma relação bem diferente e de muito aprendizado mesmo. A ideia de você construir uma personagem de maneira consistente, crível, com diferentes elementos que você acha interessante para a construção dela e, ao mesmo tempo, manter esse ‘corpo aberto’ aos diversos caminhos e possibilidades aos quais ela ainda pode ir e você desconhece, é uma maneira de lidar com personagem que eu nunca tive antes. Eu sempre tive essa relação de saber a curva dramática inteira: como ela começa e como ela termina. Para onde ela vai, por onde ela passa... Agora é uma aventura pelo escuro. Vamos tateando as coisas, pensando fazer o melhor possível a cada cena, porque todo o elemento ali vai ser muito importante no percurso todo, mas desvios podem ser brutais e eles precisam se encaixar nesse corpo, nessa personagem, nessa pessoa que você está colocando no ar no dia-a-dia.
JC – Como foi a construção da personagem Amanda, uma ativista radical do meio ambiente?
CAMILA – A Amanda me desafiou muito no contexto da extensão do limite de perigo que ela tem. Eu poderia dizer que sou uma pessoa, talvez, muito mais medrosa que ela, sou mais ponderada, mais racional. A Amanda é a pessoa que se joga, não tem medo, está no mundo de maneira perigosa mesmo. Ela não tem essa trava do medo. Ela é destemida, e como atriz, pude trabalhar muito nesse canal, nessa outra disponibilidade.
JC – Amanda teve três relacionamentos amorosos na trama. Na sua visão, ela leva o amor a sério mesmo ou vai apenas de acordo com os seus interesses?
CAMILA – Eu acho que ela leva o amor muito a sério! Ela é uma personagem romântica na sua última instância. Não no romântico da fragilidade, mas a romântica que é capaz de morrer por aquilo porque está misturado com o pensamento de mundo dela também. Para mim, ela era extremamente apaixonada por Danilo (Chay Suede), e inclusive ela se afasta dele, mesmo sentindo amor por ele, porque não queria envolvê-lo em uma coisa perigosa, e eles estavam em patamares diferentes. Com o Davi (Vladimir Brichta), acontece uma aproximação por uma questão de pensamento. A vida dela é muito envolvida com as ações dele. Talvez tenha um grau de ilusão ali, mas por trás de um amor verdadeiro, da paixão que eles tem de querer mudar o mundo. Por isso houve a separação depois de uma decepção do que um e o outro bancam sobre seus ativismos. E esse afastamento culmina no encontro com o Vinícius (Antonio Benício), que já atuava em grupo radical, e eles se encontraram no tesão de fazer uma coisa perigosa. Isso mexe com sentimentos fortes, quase selvagens. Foi um elo forte que se desenvolveu de maneira muito passional na história.
JC – Nas redes sociais, tem se criticado o didatismo dos discursos ambientais da novela, chamando os personagens até de “eco-chatos”. Como você avalia essa abordagem na trama?
CAMILA – Eu acho que o discurso ecológico ainda é muito primário na nossa sociedade. E acho muito arriscado e corajoso uma novela se propor a tentar falar disso. E não só a novela propõe o debate que vem por meio do Davi, como cria o contraponto ao debate com a Amanda através do que chamamos de “eco-terrorismo”. Uma coisa é discutir isso no âmbito social, outra coisa é uma ficção tratar desse assunto. Acho que didático seria se tivéssemos adotado um ponto de vista e defendêssemos isso do início ao fim, mas não. Nesta novela, no caso do Davi, ele mesmo encontra dificuldades dentro do que ele acredita, de se manter fiel às suas ideologias, como ele acha que tem que ser, encontrando barreiras nisso. Para mim, o assunto está à serviço da dramaturgia da novela. Então erros vão acontecer, coisas contraditórias estão envolvidas nisso, porque essas coisas estão ali para mover personagem. Não estamos dando respostas ao mundo sobre a ecologia. Estamos propondo mais perguntas e um movimento na mente do espectador, do que respostas.
JC – Como você avalia o texto da autora Manuela Dias em Amor de Mãe?
CAMILA – A Manu não sucumbe à essa necessidade das “gavetas”. Ela não te facilita os caminhos para você ficar ali apenas confortável assistindo à novela. Você não sabe exatamente quem é vilão, quem é heroína, o que é certo, o que é errado. Os limites afetivos, morais, éticos, eles não existem na medida em que ela está construindo pessoas que estão tentando dar conta de suas próprias vidas, suas angústias, suas dificuldades. Todo mundo tem a sua saga dramática, e acho que isso gera uma identificação muito mais positiva, mais humana, e me interessa muito que uma novela que tenha o alcance que esta tem, que seja comprometida em representar algo pouco mais próximo do que é a história de vida das pessoas que estão assistindo mesmo, e não uma coisa distante, forjada, maquiada. Porque assim se cria mais ilusões do que situa o espectador do mundo em que ele vive.
JC – No clima do principal tema da novela, qual a sua relação com a maternidade? Pretende ser mãe um dia?
CAMILA – Eu dedico muito essa novela à minha mãe e ao meu pai, porque eles foram figuras muito importantes em todo o processo de conseguir chegar até aqui, e não foi um caminho muito simples essa ideia de me tornar atriz e investir nessa vida que é tão estranha para eles, mas que eles sempre me apoiaram incondicionalmente. É um assunto me emociona bastante. Quanto à maternidade, eu tenho sonho de ser mãe, sim. Sonho não, planos não muito distantes. Eu tenho um companheiro maravilhoso que também imagino que será um ótimo paizão e... Quem sabe nos próximos anos?
JC – Você ficou conhecida do grande público ao interpretar Jéssica no filme Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert. Qual os aprendizados desta personagem que você leva para a tua carreira?
CAMILA – (Ela me trouxe) Uma dignidade muito grande. A Jéssica foi uma personagem marcante na minha vida e segue sendo porque eu carrego esse legado de alguma forma como atriz, como pessoa, como mulher que se posicionou no mundo a partir disso porque uma janela de voz que me foi dada a partir desta personagem e sua repercussão é de grande responsabilidade. A Jéssica é uma personagem muito representativa de um contexto político que foi se agravando muito nos últimos anos. O debate sobre essa questão segue sendo importantíssimo e urgente nas suas diferentes formas. Acho que quando o filme foi lançado tinha um viés, agora já temos outro viés, outro olhar sobre aquela história, e isso é que é tão precioso em obra cinematográfica.
JC – Em breve veremos você na série da Globoplay, Onde Está Meu Coração, que vai falar sobre dependência química. Pode contar um pouco sobre sua personagem?
CAMILA – Minha personagem, a Vivian, começa a se relacionar com o marido da Amanda (Letícia Colin) no auge do problema. Isso acaba vazando para a família, e tem esse debate ligado à internação, acompanhamento familiar, como tratar o dependente em questão. É um assunto que extrapola o pessoal e tende a envolver muita gente. É um diálogo que temos muito pouco na sociedade. Acho muito bonito estar numa série em que o problema não está ligado diretamente ao baixo poder aquisitivo, todos esses preconceitos. A minha personagem, por exemplo, representa esse extrato financeiramente privilegiado de São Paulo, que nunca cresceu com limites porque o dinheiro sempre deu tudo para ela, mas é de uma solidão extrema. E ela consegue manter as aparências. Todo o personagem tem uma fragilidade e um buraco emocional muito forte. Acho que vai levantar um debate interessante e emocionar muito porque é uma série muito visceral, de dentro da alma. Isso foi o que eu achei bonito.
JC – Até onde Camila Márdila pretende chegar com o seu trabalho?
CAMILA – Limites não existem, ao meu ver. Limite vai ser até onde a vida vai me levar. A minha relação do meu trabalho com a minha vida é totalmente a mesma coisa. Quero viver trabalhando disso, ou do que isso se derivar, à medida que vou vivendo. Não tenho nenhum tipo de objetivo maior, lugar específico onde quero chegar, ocupar ou deixar de ocupar. Eu quero só me sentir bem, trabalhando com tesão e com estímulo, porque faço coisas geralmente estão voltadas à uma relação com o público, então acho que tem que se ter muita responsabilidade e muita vontade real, desejo real de falar as coisas que falamos e apresentar as histórias que apresentamos. Eu sou atriz, mas também trabalho em outras funções: também escrevo, espero dirigir em algum momento, já fiz direções coletivas em teatro... Na verdade, o horizonte é muito vasto e entediada jamais ficarei. E vou seguir encontrando os estímulos que a vida for me trazendo e conduzindo, sem nenhum tipo de ansiedade nesse aspecto, porque acho que o processo já vai dar conta disso.
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