Quando o homem que só aparece em ângulos sem rosto lançou O fim das Desventuras em série, em 2006, os leitores que acompanhavam os descaminhos dos irmãos Baudelaire ficaram, como os três desafortunados, um pouco órfãos. Autor e narrador dos 13 volumes da série, publicados entre 1999 e 2006, o heterônimo Lemony Snicket era presença frequente nas estantes de crianças, jovens e adultos na década em que cintilaram nomes como J.K. Rowling, autora de Harry Potter, e, com bem mais discrição, Eoin Colfer, de Artemis Fowl. O fechamento da trama dos Baudelaire, entretanto, não fez o escritor ficítio cessar suas atividades literárias.
Para além das obras complementares à história dos órfãos, Snicket (codinome do americano real Daniel Handler) vem se renovando como um nome vigoroso na literatura infantil americana. Um dos títulos mais recentes lançados no Brasil é o sagaz O latke que não parava de gritar (Companhia das letrinhas, 60 páginas, R$ 32), conto natalino sobre um inconformado bolinho frito de batatas judeu. Lançado em 2007 lá fora, o livro é uma boa opção de presente para as crianças nesta segunda (24), na véspera de Natal, ou em qualquer outra oportunidade. As ilustrações são assinadas por Lisa Brown.
O latke é tradicionalmente servido no jantar de Chanucá, um feriado que celebra uma vitória milagrosa do exército judaico. Nascido na única casa sem pisca-piscas de um vilarejo repleto de luzinhas cristãs, o latke da história ganha vida quando misturam batatas raladas, cebolas picadas, ovos batidos e uma pitada de sal em uma frigideira. Com a quentura que sente na hora do nascimento (um impiedoso óleo a mais de 100º C), o bolinho de batatas salta histérico da panela e, sem parar de gritar, sai fugitivo pela janela da cozinha.
A partir daí, o mal-humorado e insatisfeito bolinho inicia uma mini-odisseia pelas ruas do vilarejo, habitadas por falantes pisca-piscas, doces natalinos e um pinheiro ideal para enfeitar o Natal de alguma casinha do lugar. Apesar de tecer explicações sobre o Chanucá, o latke não consegue fazer com que os símbolos natalinos entendam a data judaica. Durante todo o percurso, vê-se que a vontade do protagonista é encontrar um lugar onde ele se sinta respeitado e querido, mas sem óleo ardente. Como nos livros que narram a história dos órfãos Baudelaire, Lemony Snicket utiliza uma linguagem que, com o humor refinado que lhe é característico, não subestima a apreensão do leitor, tenha ele cinco ou 90 anos. Em espirituosos desenvolvimento e desfecho, a curta trama já ganhou até adaptação teatral nos palcos ingleses.
Leia sobre outras obras de Lemony Snicket lançadas no Brasil na edição desta segunda (24) do Jornal do Commercio