O escritor Sidney Rocha passou seis anos trabalhando em seu novo romance – ou uma vida literária inteira, se o leitor quiser ser mais preciso. Ao compor Fernanflor, publicado agora pela Iluminuras e com lançamento no Recife marcado para o próximo dia 7 de outubro, o autor cearense radicado em Pernambuco estava elaborando mais do que uma história: criava a vida de um personagem, em sua riqueza de detalhes, sensações, paixões, defeitos e qualidades.
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É a segunda narrativa mais longa de Sidney, contista premiado com O Livro das Metáforas, em 2012. O personagem principal, Jeroni Fernanflor, é um pintor que vive uma vida intensa e produz uma obra exaltada, mas que convive com a própria vaidade e a solidão. Circula pela história, cheia de pessoas reais, ao longo de três séculos, em um romance que começa no epílogo e termina no prólogo. “O tempo dele é já. O tempo de Jeroni é o instantâneo”, define Sidney.
Na obra, ele buscou mergulhar a narrativa e a linguagem em Jeroni. “Esse personagem é história, o enredo, tudo é ele. Essa junção de história e personagem é o que eu busco, que é nada menos do que a linguagem. É por isso que para mim é importante que o leitor não encontre a coisa fácil, o prato feito. Isso você nunca vai encontrar num livro meu. Eu não faço concessões. Se a única coisa que eu faço é escrever – e se eu faço é porque quero, não porque me pedem –, então não posso me preocupar com concessões, com o mercado”, afirma.
Até por isso, a obra, que já teve dois nomes anteriores, ganhou o título Fernanflor. O primeiro nome, Noites Azuis, foi descartado por fazer referência demais à pintura. Claro, Escuro, nome seguinte, foi substituído quando Sidney recebeu textos, presentes no volume, de dois amigos e escritores, o português Gonçalo M. Tavares e o paulista Lourenço Mutarelli, que revelavam certo fascínio pelo personagem.
A vida do pintor é passada a limpo na narrativa, por meio de suas dúvidas e de momentos belos e tristes. “Parece que de alguma forma o personagem está posando para a linguagem sempre. Primeiro, Fernanflor, ao mesmo tempo em que é um personagem trágico, é feito também de poesia. Ele até cria em torno de si uma certa filosofia fácil, cheia de conselhos. Ele é essa falsa transcendência e profundidade e, ao mesmo tempo, também se depara com seus movimentos interiores profundos”, define.
Para Sidney, trata-se de um romance “expressionista”. Um dos desafios para Sidney foi compor a visão de um artista plástico em sua narrativa. “Emular o olhar de um pintor é algo difícil para um escritor. Um pintor, hoje eu sei, vê camadas. Ele vê as limitações da cor no olho. É algo mágico o que eles fazem”, descreve.
As artes plásticas, no entanto, são parte de um plano maior da trilogia Gerônimo, que deve ter mais dois volumes, a serem lançados em 2016 e 2017. “Serão outros mesmos personagens. Jeroni Fernanflor cruza com Gerônimo, que é o protagonista do segundo livro, um fotógrafo de guerra. E toda essa trilogia tem relação com uma coisa em especial: a imagem. A gente vive um tempo de imagem. A imagem é uma ditadura hoje”, comenta. “Você só é respeitado se tiver um foto sua nas redes sociais. Você é suspeito se aparece uma interrogação quando deveria aparecer um rosto. Mas existe uma interrogação em seu rosto de todo jeito. As pessoas que não veem.”
Sidney reitera que, mais do que livros, está construindo uma obra, que tem conexões com outros momentos de sua prosa. “Acredito profundamente no meu projeto literário. Esse negócio me acompanha há 40 anos. Eu sei mais ou menos o que estou fazendo”, analisa. “Minha literatura tem se tornado nos últimos anos uma literatura sobre personagens. Sobre linguagem e personagens.” Jeroni está aí para provar que a anatomia de um personagem literário sempre é feita de palavras exatas.