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Dona iPhone Lara, Like Batista, Papai do Selfie, Arnaldo iTunes. Todos esse personagens surgiram de um poço mágico da criatividade do humorista, ator, roteirista, poeta e, agora, desenhista Gregorio Duvivier: o tédio. Em formato de caderno moleskine, o seu novo livro, Percatempos – Tudo que Faço Quando Não Sei o que Fazer (Cia das Letras), traz mais uma faceta do carioca. Como Millôr, ele faz trocadilhos visuais e brincadeiras – inusitadas, criativas, infames – que forjou nos momentos de pausa, distante de computadores e celulares. Na entrevista abaixo, ele fala sobre redes sociais, influências e ilustrações.
JORNAL DO COMMERCIO – Gregório, em tempos de smartphones (inclusive com funções para desenho), manter um caderno de anotações parece cada vez mais incomum. Foram como anotações e desenhos casuais que surgiram os trabalhos de Percatempos? Por quanto tempo os fez?
GREGORIO DUVIVIER – O trabalho surgiu daquelas anotações casuais, que os anglófonos chamam de doodling. Aquele rabisco Que faz o tempo passar mais rápido. Percebi que o tempo morto morreu com o smartphone. Antigamente matávamos o tempo de forma mais criativa.
JC – Você sempre gostou de desenhar? Nos agradecimentos, você cita o cartunista André Dahmer. Estudou ou treinou algum aspecto (com ele e com outros) para criar o livro?
GREGORIO – O André, de quem sou fã, me apresentou o bico de pena. É um grande desenhista e um grande poeta. Aprendi com ele que liberdade é mais importante que qualquer técnica. A dificuldade é exatamente essa: conquistar a liberdade total, aquela das crianças.
JC – Millôr foi um dos entusiastas da sua poesia lá no começo. É a sua principal inspiração nesses Percatempos? Até pela multiplicidade de meios que você utiliza, ele é um autor com que você sempre se identificou?
GREGORIO – O Millôr é o maior. Se expressava de mil maneiras, sem perder o estilo, que ele chamava de ausência de estilo, mas que era inconfundível. Certamente uma influência, assim como o Dahmer e a Laerte. Cresci correndo atrás das tiras no jornal. Temos cartunistas brilhantes. O Brasil tem uma tradição maravilhosa de humor gráfico.
JC – Teatro, TV, filme, poesia, crônica, desenhos (e posso ter esquecido um ou quinze outros trabalhos). Ainda há algum formato ou linguagem em que você ainda sonha em criar?
GREGORIO – Todos. Não tem nenhum formato que não me seduza. Aqueles que eu menos domino são os que mais me atraem. A música, por exemplo.
JC – Em uma coluna, você fez uma carta – não como a de Temer – para o Facebook e, desde então, não postou no seu perfil pessoal. Tem sido libertador ficar longe da rede social? Realmente “nenhuma obra da literatura pode competir com treta e com nudes”?
GREGORIO – Nenhuma. A internet, assim como a televisão (mas ainda mais), quer sua atenção integral. Não se contenta com um pedacinho. É tudo ou nada. Nessa batalha, a literatura perde. O livro não pisca e vibra quando você está longe dele. O livro precisa de uma calma que a internet não dá.
JC – Nesse mesmo texto, nos comentários, alguém sugere, quase aleatoriamente, que a carta para o Facebook pode servir para realizar uma separação de “Dilma, Lula, Eduardo Cunha, Edson Fachin, Dias Toffoli, Lewandowski”. Você ainda fica assustado em ver comentários surreais – cheios de ódio ou que fazem associações bizarras como essa – nos seus textos e nas redes sociais?
GREGORIO – Sempre fico assustado. O Brasil tem um problema muito sério de interpretação de texto. As pessoas entendem o que elas querem. Acho que é falta de hábito de leitura mesmo. É um país cuja média de leitura é de um livro por ano. E, geralmente, esse livro é a Bíblia. Que, aliás, é a obra mais incompreendida da história. Que pena.