Na última quinta, o poeta recifense Miró participou de uma festa: celebrava os seis meses sobriedade com os amigos do Instituto Raid, que cuida de dependentes químicos. “Quando um bêbado vai embora/ Nem o bar sente saudade”, diz um dos poemas do seu livro mais recente, 20 – Para Pensar um Pouco, editado de forma independente. O aforismo é como um recado de si mesmo para o Miró que bebia, o Miró quem se foi e não fará falta nenhuma.
Na Semana do Livro de Pernambuco, que se encerra neste domingo (4/12), o poeta está lançando o volume – ele faz um recital a partir das 18h30. Sem encadernação, a obra tem formato de um envelope e traz 20 versos de Miró em folhas avulsas. “Queria fazer um livro com páginas descartáveis, que as pessoas pudessem pegar os poemas e darem para quem quiserem”, explica o autor. “Como hoje tudo tem que ter um bônus, acrescentei um poema de alguém muito importante para mim, Wilson Araújo, que diz: ‘Existe abismo maior do que cair no esquecimento?’.”
A obra custa R$ 20. “Cada pessoa tem direito a ver dois poemas antes de comprar. Em geral, não resistem”, brinca. Miró, propagandista ambulante da sua própria poesia, vive desde 1985 exclusivamente dela – quando deixou um emprego de servente na Sudene ao lançar o primeiro livro, Quem Descobriu Azul Anil –, vendendo na rua ou em recitais os livros feitos de forma independente.
Com tiragem de 150 exemplares, 20 – Para Pensar um Pouco foi até escondido pelo poeta para não começar a ser vendido antes. “É capaz de sábado, quando faço o primeiro recital, tudo já ter acabado”, diz. Não é autoilusão: um dos livros recentes de Miró, aDeus, editado por Wellington de Melo, da Mariposa Cartonera, já vendeu 6 mil exemplares segundo o autor. “E isso sem estar em nenhuma livraria sequer”, ressalta.
Outra obra, a coletânea Miró Até Agora, reeditada pela Cepe Editora, já vendeu cerca de 70% da tiragem, boa parte através do autor, que sempre volta para comprar ele mesmo mais exemplares. Na semana passada, foi convidado para a Balada Literária, de Marcelino Freire, em São Paulo. Vendeu todos os 150 livros em pouco mais de uma hora no evento. “Queriam comprar até a minha bolsa! Ernesto Dabó, poeta de Guiné-Bissau, estava na mesa comigo e avisou: ‘Pode tirar seu passaporte que quero levar você para Guiné”, revela Miró, que ainda planeja viagens para Fortaleza e São Luiz.
Com a evolução do tratamento no Instituto Raid, ele agora sai todos os dias para trabalhar de garçom no Bar Mamulengo, na Praça do Arsenal, entre às 11h e às 14h. “Estou lá há três meses, trabalhando num lugar que vende Heineken, mas sem beber”, conta. Miró, como diz em outro poema, preferiu estar “bêbado de felicidade”. E é bom notar que não perdeu nada do poeta com mais de 30 anos de trajetória: “A saudade dói/ e não tem farmácia de plantão que resolva.”