Numa época em que a definição de “mito” tem sido aleatoriamente usada na política brasileira, na televisão, porém, ela ganha nome e sobrenome: Senor Abravanel, mais conhecido do público como Silvio Santos. O carioca de 87 anos, apresentador, empresário e dono do SBT, está há quase seis décadas nas telinhas e sempre foi motivo de curiosidade de seus telespectadores. E um pouco de sua história está sendo contada no livro Topa Tudo por Dinheiro: As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos (Todavia, 2018), escrito pelo jornalista e crítico de televisão do portal UOL Mauricio Stycer.
Mas esta obra não é uma biografia qualquer. Tampouco não surge como “biografia não-autorizada” do animador. O livro de Stycer busca, na verdade, “passar a limpo” as várias histórias sobre Silvio Santos que foram contadas por ele próprio e até pela mídia ao longo deste tempo.
“Eu acho que já passou do tempo, né? (risos) Se você pensar que a primeira biografia do Silvio é de 1969, ou seja, fará 50 anos, já acumulou muita história e muita mistificação nesses quase meio século de livros escritos sobre ele. E isso realmente era algo que me incomodava: esse excesso de glorificação, de não encarar o Silvio como um ser humano complexo, com contradições, que ele também comete erros, e etc”, conta Stycer por telefone, em entrevista ao Jornal do Commercio.
Ao longo de 256 páginas, o jornalista faz uma verdadeira “checagem” dos fatos da vida e carreira do apresentador. E como toda e qualquer trajetória, expõe os acertos e erros de Silvio Santos, descendo a pessoa, o artista e o empresário do pedestal que sempre o costumam colocar. “Mito vivo? Acho um negócio complicado chamar alguém de mito, isso me incomoda um pouco. Por que mito? Ele está aí, em carne e osso, continua ativo, trabalhando, exercendo seu ofício, sendo empresário”, reforça Stycer.
Todo o processo de produção da obra durou um ano, quando o autor começou a recolher coisas que já tinha anotado e lido há muito tempo, ao longo de muitos anos, e identificar as questões sobre as quais escreveria.
Mais que contar a trajetória do apresentador que todos conhecem, Mauricio Stycer dá muita ênfase à relação de Silvio Santos com a política e o lado empreendedor do artista. “Esse aspecto mais político e empresário abordado no livro, de certa maneira, eu trago ele para o mundo real. Mostrando que o ‘mito’ age como muitos agiram”, afirma.
Ao relatar as glórias e insucessos, Stycer expõe os pontos fortes e fracos de Silvio. E isso vai de aspectos “bobos” como omitir sua data de nascimento, até a problemas na condução de sua emissora, como a dificuldade do empresário em investir no jornalismo do canal. “Ele é um empresário de comunicação. E na comparação com outros empresários desse meio, ele não enxerga a importância que o jornalismo tem. Isso é um pouco surpreendente e desabonador. Eu esperava que ele tivesse uma visão mais generosa e ampla da importância do jornalismo para uma rede de televisão”, opina o jornalista.
Comparando declarações, relendo matérias antigas, biografias anteriores e trazendo algumas entrevistas inéditas, passagens pouco esclarecidas da vida de Silvio Santos vem à tona através da análise de Stycer. “Tem muitas histórias pouco conhecidas que eu também esmiúço melhor, enriqueço, e dou um tratamento mais denso, que eu gosto bastante, como o relacionamento escondido com sua primeira esposa, que acho muito interessante, até os bastidores da famosa entrevista que ele deu à [revista] Contigo (em julho de 2003) onde falou que estava morrendo”, destaca.
Com essa “repassada” na trajetória do animador, o jornalista destaca as falhas de apuração que ajudaram a “perpetuar” algumas histórias sobre ele: “Eu chamo muito a atenção para isso: na biografia dele há problemas de fonte, a falta de outras versões para a mesma história, observando que muitas delas é o Silvio que está dizendo, que outras pessoas disseram ou fizeram. Faltou um pouco de preguiça ou interesse, há 30 a 40 anos atrás, de checar essas histórias”.
Ao dar luz aos mitos criados por Silvio Santos e outros que contaram sua história por aí, Mauricio Stycer esclarece que seu livro é, antes de tudo, escrito por um admirador do artista. “Eu não perco de vista, em momento nenhum, a admiração que eu tenho por ele. O reconhecimento ao que ele fez e faz de diferente, ao tamanho que ele ocupa na televisão brasileira, que é enorme. Ele é inimitável, inconfundível. Este não é um livro com uma intenção iconoclasta – de querer destruir um ídolo – mas de esclarecer questões, de pontuar, chamar a atenção para outras. É um trabalho de um admirador, acima de tudo”.
Por tudo o que fez e faz na televisão brasileira como um todo, a “fantástica” vida de Silvio Santos, seja como pessoa, empresário ou apresentador de TV, sempre chamará a atenção do grande público, seja telespectador ou não, “freguês” ou não.
“Ele é fascinante, um tipo único, tem um poder de comunicação que é extraordinário, realmente inimitável. Tem uma importância enorme na televisão aberta brasileira, na história dela, e continua presente nela de várias maneiras. O Silvio é inescapável para quem viveu no Brasil nos últimos 50 anos. É preciso enfrentá-lo e encará-lo. Não dá para evitar o Silvio Santos”, encerra Mauricio Stycer.