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O funk feminista de Valesca Popozuda

Com letras consideradas obscenas, funkeiras como Valesca Popozuda reivindicam o direito ao prazer sexual e denunciam a opressão machista. Algumas vezes, entretanto, seus discursos podem soar contraditórios

Renato Contente
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Renato Contente
Publicado em 25/04/2013 às 6:12
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O palco como cenário para aniquilar a submissão ao masculino, para golpear qualquer categorização imposta de objeto sexual. O corpo (marquinha do biquíni, seios turbinados, estampa de oncinha) e a voz são os instrumentos para libertar o sexo e a mente. O silêncio e a cabeça baixa da mulher diante do homem constituem uma postura que passa longe das performances que Valesca Popozuda proporciona a suas plateias. Caso ainda reste alguma dúvida, a carioca esclarece em um de seus batidões: “Só me dava porrada/ e partia pra farra/ Eu ficava sozinha esperando você/ Eu gritava e chorava, que nem uma maluca/ Valeu, muito obrigada, mas agora eu virei puta!”.

Se no início da carreira, no começo dos anos 2000, Valesca e suas colegas funkeiras negavam qualquer rótulo de feministas, com o desenvolvimento e a propagação do funk elas passaram a ter uma ideia mais clara do ato político a que seus gestos e palavras conduziam. De potrancas, cachorras e tchutchucas passivas, elas se reapropriaram desses termos para reivindicar sua própria autonomia financeira e sexual: “Sou cachorra, sou gatinha/ Não adianta se esquivar/ Vou soltar a minha fera e boto o bicho pra pegar”.

Um “feminismo sem cartilha”, como definiu o DJ Marlboro no documentário Sou feia mas tô na moda. A satisfação sexual virou exigência; as traições constantes, intoleráveis. Hoje há a consciência de que um tapinha, além de deixar marcas físicas e morais, também dá cadeia. “Me considero feminista, sim. Minhas letras dão mais liberdade para as mulheres falarem abertamente de um assunto que só o homem podia falar, dessa forma abro caminho e dou voz na liberdade sexual feminina”, explica Valesca, em entrevista por e-mail. Essa tomada de consciência das mulheres através da música (do funk, no Brasil, e do hip hop, nos Estados Unidos) foi o que motivou o jornalista Márcio Bastos a eleger Valesca Popozuda e a rapper americana Lil’ Kim como objetos de estudo.

Para Márcio, as duas trabalham com mensagens que exploram a fundo a sexualidade e conseguiram articular novas possibilidades de expressão dos desejos. “Elas se inserem em um momento em que as conquistas destes grupos no campo social têm crescido ao mesmo tempo em que lidam com a reação conservadora que tenta controlar a sexualidade coletiva. Há a tentativa de impor e regular quem pode ser sexual e quando se é permitido exercer essa sexualidade, procurando assim estabelecer uma medida do erótico”, defende. “Elas encaram o exercício da sexualidade como forma de autoexpressão, autossatistação e emancipação”.

A mestranda Mariana Gomes aponta que as canções das funkeiras lutam pelo direito de ditar as próprias regras para seus corpos, mas que, como qualquer um de nós, não estão imunes a discursos contraditórios. “São vários os casos de mulheres que tratam de questões do feminismo em uma letra e em outras trazem trechos machistas. Há também músicas com disputas entre mulheres, algo bem alheio ao feminismo”, opina.

O professor Thiago Soares diz que é preciso destacar os avanços, mas também falar dos retrocessos. “Valesca centra o discurso dizendo que ela pode, ela quer, a inversão da lógica falocêntrica, mas ela reproduz também elementos do machismo em alguns momentos. Há casos de artistas femininas que realmente se comprometem com questões políticas, como Madonna e até Lady Gaga. Como todo discurso musical pop tem suas ambiguidades”, defende.

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