Para comemorar os 50 anos de música, a cantora Maria Bethânia fez, em 1º de fevereiro, show gratuito na praça de Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal, na Bahia. Com bom humor, ela topou dar entrevista, por telefone, ao repórter Mateus Araújo (que também assistiu à apresentação). De Santo Amaro, Bethânia conversou com o JC: contou da emoção de voltar à sua cidade, lembrou, com saudade, de sua mãe, Dona Canô, falou de fé e de seu dia a dia. Confira trechos:
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JORNAL DO COMMERCIO – Quando se assiste a um show seu, a impressão que se fica e os comentários que se ouvem é de uma sensação de êxtase. O que acontece, Bethânia, quando você olha para a sua plateia e quando você canta para ela?
MARIA BETHÂNIA – A minha entrega é absoluta, a minha vontade de atingir de tocar as pessoas. O contrário eu não sei bem. Mas, certamente, eles ficam entusiasmados. Você usou “êxtase” que é uma palavra bonita e religiosa. Eu tenho muita confiança nas coisas. Vim para o mundo traduzir isso, lembrar as pessoas sentimentos, posições, valores. E isso vai fundo. Graças a Deus!
JC – A Maria Bethânia que está no palco são várias ou uma só?
BETHÂNIA – É uma só. Mas o Brasil é muita variado, rico, deslumbrante, comovente em muitas situações; em outras, terrível. Minha vida é cantar isso. Desde que comecei a cantar e descobri que queria me expressar. Aquela frase de Ferreira Gullar que diz “a arte vive porque a vida não basta” foi meu impulso na vida. A minha sensibilidade foi dada por Deus, que aprendi com minha família, meus pais, meus colegas, fica à disposição disso.
JC – Naquela estreia, em Opinião, em 1965, você assumia um papel diretamente político. Era o primeiro espetáculo contra a ditadura militar. Mas você nunca gostou de se dizer uma artista política.
BETHÂNIA – Não é gostar. Em arte cabe tudo, ela permite permear o que quiser. O que nunca gostei são limites. “Bethânia é uma cantora de protesto.” É mentira! Sou de protesto, de romantismo, chique, brega. Não gosto de limites. Quando canto político arrebento, mas gosto de arrebentar dizendo eu te amo. É mais duro dizer “eu te amo”, principalmente nos tempos de hoje, quando há gente queimada viva mostrada na televisão, gente degolada. Fora o que acontece de ruim mais de perto da gente.
JC – Havia uma frase de Millôr Fernandes, no cartaz de anúncio da sua estreia de Opinião, que dizia “seis meses e um diretor farão dela a grande cantora brasileira”.
BETHÂNIA – Millôr? Ele nunca gostou dos baianos. Você veja como é vida. E meu pé pega um pouco na Bahia. Não sou baiana radicada, vivo no Rio desde os 17 anos, mas tenho casa na Bahia por causa da minha família. Os meninos (Caetano Veloso e Gilberto Gil) que são baianééésimos apanharam, coitados.
JC – A aproveitando que você disse ser uma voz do Brasil: O que é o Brasil para você?
BETHÂNIA – Minha terra, um lugar mágico, lindo. Que está sendo destroçado. Mas a natureza está dizendo: “cansei, estão tirando a água, querem que eu tire o ar?”. Mas o Brasil é um Pais mágico. Somos maiores do que a burrice.
JC – E sua fé, Bethânia? Ela que lhe fortalece?
BETHÂNIA – Eu vivo na mão dos deuses, santos, santas, orixás, elementos da natureza. Sou mantida por eles.
JC – Então é a eles que você agradece por essa trajetória?
BETHÂNIA – É lógico. Fazer 50 anos de carreira... Só tenho a agradecer e a abraçar. E não me arrependo de nada!
JC – Qual o maior aprendizado deixado por sua mãe, Canô?
BETHÂNIA – Minha mãe é uma mulher tão especial. O espírito dela se mantém com a aquela luminosidade. Viveu 105 anos com lucidez, educando, ensinando e aprendendo. Tudo isso é uma marca, graças a Deus, que nunca pode ser apagada de nenhum de nós – dos filhos e das pessoas que tiveram a possibilidade de viver com ela. Particularmente, se eu respirar junto vem a saudade que eu tenho dela. A falta. Mas aprendi com ela que a vida é dádiva e que não se pode tratar com menosprezo seus amores, alegrias. Há um elo muito maior que tem que ser antes de tudo vivido. Aceitei em fazer o show em Santo Amaro mesmo ela não estando fisicamente ali. Mas ela estava no meu desejo de que ela me ouvisse, estava dentro de mim. Eu saí do seu ventre e hoje ela habita dentro de mim.
JC – Você já disse que quando não está no palco está ansiosa para estar nele. Nesses ínterins, o que você costuma fazer?
BETHÂNIA – Eu sou dona de casa. Dona da minha casa. Sou minha cozinheira, adoro mexer com minhas coisas, preparar a casa para receber meus amigos. Estou agora em Santo Amaro, mas em breve vou embora pro Rio. Ficarei lá no Carnaval, que na minha casa parece que não existe Carnaval. É uma paz. E quando estou em casa, cuido do meu jardim. Sou interiorana. Adoro meus amigos, dar risada. Agora, estou lendo muito Clarice Lispector, pois ganhei dos filhos dela muitos livros.