Proveniente do cenário indie, The Weeknd, nome artístico do canadense Abel Tesfaye, se tornou um inusitado astro pop. Suas canções melancólicas e hedonistas, que pareciam ter sido criadas para audição em madrugadas insones, atraíram a atenção da crítica especializada e dominaram as rádios. Participações pontuais em trabalhos de nomes do pop, como o rapper Drake, pavimentaram o caminho para o estrelado, que se consolidou com o lançamento dos singles Can’t Feel My Face e Earned It, dois dos maiores hits de 2015. Absorvido pelo mainstream, Abel resolveu abraçar o novo status, mas sem abandonar sua essência. O resultado é o recém-lançado disco Starboy.
Ano passo, The Weeknd alcançou o topo das paradas com Can’t Feel My Face, faixa que vendeu mais de seis milhões de cópias e foi indicada à canção do ano no Grammy, além de outras premiações. Com sua mistura de pop e disco-funk, Abel conquistou as paradas com uma ode aos efeitos da cocaína no seu corpo.
“Ganhei um troféu em um prêmio infantil/falando sobre meu rosto depois de cheirar”, canta ele em Reminder.
Essa contradição entre o sucesso recém-adquirido e o conteúdo do seu trabalho dão a tônica de Starboy, disco marcado por sonoridade mais dançante. No universo de The Weeknd, no entanto, a pista de dança é um lugar sombrio, o esconderijo das emoções e a vitrine da ostentação.
Starboy, faixa que dá nome ao disco, é uma parceria com o Daft Punk e continua a narrativa de relacionamentos abusivos que marcam a poética do canadense, adicionada a uma crítica velada de enaltecimento de seu novo status como ícone pop.
No clipe da canção, o cantor aparece assassinando a si mesmo. O “velho” The Weeknd está morto, anuncia, e dá lugar a um personagem descolado, o Starboy, gíria que poderia ser traduzida como “garanhão”. “A 100 por hora/Nós não oramos pedindo por amor e sim por carros”, entoa no seu já conhecido registro baixo.
A ideia de transformação está presente, tanto no imagético quanto na sonoridade do álbum. Ao contrário de álbuns lançados por Beyoncé, Solange e Frank Ocean, a experimentação de Abel está mais ligada à investigação do sucesso, do deslumbramento aos seus lados mais sombrios. É um disco que não reflete o momento político, mas talvez possa ser compreendido como uma metáfora da cultura de celebridades da era das redes sociais.
Em músicas como Rockin’ e Secrets, ele emula Michael Jackson, um de seus maiores ídolos. As faixas bebem do r&b e pós-disco que marcaram o início dos anos 1980. A referência ao Rei do Pop fica ainda mais explícita em I Feel It Coming, outra parceria com Daft Punk, que desta vez se aproxima dos tempos da Motown e início da disco music.
Em True Colors, marcada por grooves suaves, se transmuta em uma espécie de R. Kelly, aprofundando sua imersão na história do r&b moderno.
Um dos destaques do álbum, o interlude Stargirl retoma a parceria com Lana Del Rey, que ele parece enxergar como seu contraponto feminino. De fato, o niilismo e a obsessão por amores destrutivos marca a narrativa de ambos e, juntos, constroem uma sinestesia vocal marcante. As dançantes False Alarm e Party Monster também empolgam.
Previsto para estrear em primeiro lugar na parada americana, com mais de 300 mil cópias vendidas, Starboy concretiza o papel de The Weeknd como força do pop contemporâneo sem deixar de reforçar seu ethos. Marcado por hits prontos para a pista, é também um trabalho marcado por camadas sonoras ecléticas. Starboy talvez não esteja tão distante de The Weeknd ou de Abel Tesfaye como o cantor parece querer sugerir.