Clássico

Janet Jackson abraçou a dor em The Velvet Rope, lançado há 20 anos

Disco, gravado em meio a um colapso emocional, marcou época e influenciou gerações

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 08/11/2017 às 12:43
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Disco, gravado em meio a um colapso emocional, marcou época e influenciou gerações - FOTO: Reprodução
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Em 1997, Janet Jackson estava no auge de sua carreira: seus três discos anteriores, Control (1986), Rhythm Nation (1989) e Janet. (1993) a colocaram em pé de igualdade com seu irmão, Michael, e Madonna. Ela havia acabado de assinar o maior contrato da indústria musical até então – 80 milhões de dólares – e parecia que tudo que tocava virar ouro. Internamente, porém, ela se encontrava em um lugar escuro. Enfrentando uma grave depressão, ela se confrontou com alguns dos fantasmas que a atormentavam desde a infância, como a dismorfia corporal e autoflagelação, além de questões de sua adolescência e vida adulta, como violência doméstica e luto. Como parte do processo de cura, ela criou um de seus trabalhos mais emblemáticos, o disco The Velvet Rope, lançado há 20 anos.

Caçula da família musical mais conhecida do mundo, os Jacksons, Janet cresceu no show business. Desde criança, trabalhava no programa televisivo do clã, investindo posteriormente na carreira de atriz. Seu pai e empresário, Joseph, porém, queria que, assim como os irmãos, ela investisse na música. Sob a tutela do genitor, ela gravou dois discos, Janet Jackson (1982) e Dream Street (1984). Genéricos, os trabalhos não causaram impacto e as comparações com os irmãos, especialmente Michael, afetaram a artista, que pensou em desistir da carreira.

Para escapar do controle do pai, casou em segredo com o cantor James DeBarge, em 1984. O relacionamento, posteriomente classificado por ela como abusivo, foi anulado um ano depois e, logo depois, aos 18 anos, Janet demitiu Joseph como seu empresário e voou para Minneapolis, onde começou a trabalhar com os produtores Jimmy Jam & Terry Lewis. Responsáveis por sucessos de Prince e da banda The Time, eles estimularam Janet a contar sua história e descobrir sua identidade musical. O resultado foi Control, álbum com letras empoderadoras e feministas, que alçou a cantora ao posto de estrela do pop e r&b.

O trabalho seguintes, Rhythm Nation, um disco conceitual sobre injustiças sociais, mostrava a inquietação artística da artista, flertando com o rock e hip hop. Em Janet. (1993), a americana começa a explorar sua sexualidade, ao mesmo tempo em que toca em assuntos como racismo e machismo. Se esses trabalhos já eram marcados por um forte tom confessional – característica que a diferenciava de Michael – nenhum é tão cru quanto The Velvet Rope.

MERGULHO INTERIOR

O disco foi concebido durante um momento de colapso mental de Janet e, como recordam Jimmy Jam & Terry Lewis, as gravações tinham que ser interrompidas muitas vezes para que a cantora pudesse se recuperar. De fato, o álbum é uma cutucada nas feridas abertas, uma escolha de, ao invés de amenizar a dor, abraçá-la. Na capa, Janet, então com 31 anos, aparece com a cabeça baixa, seu rosto oculto. O título do trabalho remete às cordas de veludo que separam os “VIPs” de “todo o resto”.

“Acredito que todos nós temos a necessidade de nos sentir especiais; e é essa necessidade que pode trazer à tona o melhor e o pior de nós”, afirma no interlude Twisted Elegance, que abre o disco, aprofundado o assunto na sequência, com a faixa-título, um trip hop intercalado com solo de violino de Vanessa Mae.

A experimentação sonora permeia o trabalho, com elementos de r&b, hip hop, pop, jazz e folk. Essas fusões acontecem de forma fluida e muitas vezes surpreendentes, em transições inesperadas, sem preocupação com barreiras de estilo. Não por acaso, o trabalho é considerado um dos precursores do alt-r&b, ou r&b alternativo, e suas influências podem ser encontradas em trabalhos de Frank Ocean, The Weeknd, Beyoncé, Solange, Tinashe, Dev Hynes, Kanye West, entre outros.

A honestidade das composições de Janet são outro fator crucial no legado do álbum. Em Free Zone, ela se posiciona contra a homofobia, enquanto em What About relata suas experiências com abuso físico e psicológico em relacionamentos. Nos primórdios da internet, já antecipava a angústia dos relacionamentos virtuais na faixa Empty.

Big Yellow Taxi, de Joni Mitchel (cujos vocais também são utilizados na faixa), é reimaginada em Got Til It’s Gone, a partir de uma leitura com o hip hop. O clipe da faixa faz referência ao apartheid na África do Sul e exalta a cultura e o empoderamento dos negros. A questão racial aparece novamente em Can’t Be Stopped (“Vocês têm que lembrar que nasceram com sangue de reis e rainhas/ E não podem ser parados/ Permaneça forte, irmã”).

A sexualidade também é levada a territórios até então pouco explorados na música pop, com algumas exceções, como o Erotica, de Madonna (ler vinculada). Em faixas como Rope Burn, Janet sugere experiências com fetiches relacionados ao sadomasoquismo, como bondage. Seu cover de Tonight is The Night, de Rod Stewart, mantém o gênero do interesse amoroso no feminino, sugerindo uma leitura queer para o disco. A forma franca e fluida com a qual a cantora aborda seus desejos abriu caminho para as cantoras do pop fazerem o mesmo sem a repressão de outrora.

The Velvet Rope talvez seja, antes de tudo, um estudo sobre a dor e, nele, Janet a explora por diferentes ângulos. Together Again, maior sucesso do álbum e um de seus únicos momentos dançantes, foi escrita para os amigos da cantora mortos em consequência da Aids. Contrariando o lugar-comum, ela faz da canção uma ode à vida e à memória. Janet parece nos dizer que, sim, a dor é inevitável, porém a forma de encará-la não é matemática. É uma estrada tortuosa, singular, que às vezes será encarada em um quarto escuro e, em outros, na pista de dança.

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