Poucas coisas definem tão bem a situação Brasil contemporâneo quanto a ideia de um grande climão que a geral sentiu, ainda que muitos não admitam. E é cantando sobre noites estranhas, paixões obsessivas, romances descartáveis e delírios na pista de dança que Letícia Novaes, sob o codinome de Letrux, criou uma das obras que melhor capturaram este zeitgeist. A carioca apresenta o show de seu primeiro disco, Letrux em Noite de Climão, sexta-feira (18), no Bailito. Na ocasião, também tocam Luisa e os Alquimistas (RN) e MC Ririca (PE).
Como parte do duo Letuce, que compôs por quase uma década com o ex-namorado Lucas Vasconcellos, Letícia já cultivava admiradores no cenário alternativos. Mas foi na sua carreira solo, quando assumiu a personagem Letrux – que parece reunir características de uma personagem almodovariana com toques de musa da nouvelle vague – que seu trabalho ganhou reverberação além das festinhas descoladas e dos festivais. A escolha por uma espécie de alter-ego pareceu ideal para uma artista que tem no teatro parte fundamental de sua formação.
“Na banda, eu dividia muitas funções com o Lucas, pois não eram só minhas decisões que valiam, as dele também, claro. Acho que com Letrux, trouxe mais lances de teatro e literatura, minha outras duas paixões pra jogo. Sou acompanhada por uma banda maravilhosa, mas a palavra final acaba sendo a minha, tenho mais autonomia”, conta em entrevista por e-mail.
Com o dançante Noite de Climão, apresentou a uma audiência mais vasta uma artista instigada e com destreza para a contação de histórias íntimas, mas de apelo universal. Com o disco, ela ganhou o troféu de álbum do ano, no Prêmio Multishow 2017, batendo Caravanas, de Chico Buarque.
“A gente sempre torce para um trabalho atingir as pessoas, mas é uma loteria, nunca se sabe. Fico muito feliz que esse disco que foi feito de maneira bem despretensiosa, mas ao mesmo tempo cheio de detalhes, atingiu as pessoas, fico honrada em ser trilha sonora da vida das pessoas, me emociona. Acho que as letras tocam as pessoas por tratarem de situações que todos nós já vivemos e, sim, desde 2016 vivemos todo um grande climão, e vamos tentando dançar, tentando nos apaixonar pra driblar esse climão pesado que por vezes se instaura”, reflete.
Entre seus admiradores está Marina Lima, que em entrevista ao JC afirmou que Letícia era uma das artistas que mais a inspiravam. Juntas, já gravaram duas músicas, uma para o disco da cantora de Virgem e outra para o de Letrux, intitulada Puro Disfarce.
“Marina é muito importante na minha vida desde sempre. Uma mulher talentosa, querida, generosa, sou muito fã dela como compositora, cantora e também como mulher. Fazer uma letra com ela foi um sonho. Sou muito atravessada por várias mulheres maravilhosas como Karina Burh, Salma, Patti Smith, PJ Harvey, Maria Bethânia, Clarice Lispector, Jean Cocteau, enfim, muita gente me tocou nos últimos anos e de alguma maneira me influenciou a fazer esse disco, esse show”, fala, apontando suas inspirações.
No show, a cantora tocará as faixas do disco, entre elas Noite Estranha, Geral Sentiu, Ninguém Perguntou Por Você; Vai Render e Flerte Revival, além de releituras, entrecortadas com textos de sua autoria. “Foi uma delícia pensar no show, sou do teatro, sou do palco, o estúdio ainda é um mistério pra mim, tento ao máximo, mas ainda tenho dificuldades, na hora do show, eu me divirto elaborando loucuras, pausas, entre-atos. Estou muito animada com o show, sou apaixonada por Recife, tenho muito orgulho de ter um avô pernambucano”, contou, adiantado ainda que deseja publicar um livro de poesias.