Aos 41 anos de idade, a cantora e compositora baiana Pitty está “exatamente onde queria estar”. Conectada ao tempo e espaço que a música e o rock atual vivem, a artista está experimentando no palco os sons e as músicas de seu novo álbum Matriz, que será lançado em breve e dá nome à turnê que chega neste sábado (8) ao Recife pela primeira vez, no Baile Perfumado, trazendo junto os sucessos da carreira na bagagem.
Em entrevista ao Jornal do Commercio, Pitty fala desse momento de, simplesmente, deixar o seu som e a sua verdade fluírem.
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ENTREVISTA // PITTY
JORNAL DO COMMERCIO – Seus últimos singles lançados flertam com gêneros que você ainda não havia explorado tão a fundo em trabalhos anteriores, como o reggae, mas que afirma fazerem parte da sua formação musical. Quanto dessa experimentação permanece ao longo das outras faixas do Matriz?
PITTY – Mais do que nos outros discos. O suficiente para consolidar esse nome, Matriz; e trazer realmente à tona coisas que estavam submersas seja no meu inconsciente ou na memória afetiva musical, e traduzir isso dentro da minha linguagem, que é o rock.
JC – Como tem sido o processo de divulgar as novas faixas aos poucos, ao longo da turnê? Quais as principais diferenças em relação ao clássico modelo de cair na estrada com um disco todo finalizado?
PITTY – Acho que é o frisson da experimentação ao vivo, é o frescor de dividir com o público o desconhecido e ver como corpos e mentes reagem à isso. É como uma jam session, um free style, porque o cérebro daquelas pessoas ainda não decodificou o que será tocado. É o sentir na hora, sem pré-julgamento. E traz uma proposta de abertura, de se deixar levar, de se soltar nesse mundo aonde tudo é tão previamente conhecido. Em épocas digitais raramente se tem essa oportunidade, então acaba sendo resgate e vanguarda, ao mesmo tempo. A reação do público tem sido incrível. Acho que eles têm curtido essa experiência junto com a gente.
JC – Matriz é um disco que vai nascer, literalmente, na era em que o streaming está em seu auge. Como você enxerga esse momento da música na sua carreira?
PITTY – Todo momento é bom, todo momento tem seus revezes. Eu gosto dessa coisa de poder lançar singles, EPs, remixes, o que for, a hora que for. Sem grandes compromissos ou preparações. Hoje é mais fácil simplesmente soltar a música no mundo, e isso é legal. Ao mesmo tempo, também gosto de álbuns inteiros quando eles fazem sentido – e hoje precisa fazer mais sentido do que nunca – não cabe mais aquela encheção de linguiça de músicas pra “completar o disco”. Você lança o tamanho e formato que quiser. E isso abre mil possibilidades, inclusive conceituais.
JC – Pegando gancho no projeto Palco Aberto – que começa pelo Recife – quais sons e bandas novas você têm ouvido no momento?
PITTY – Esse projeto tá demais, conheci muita coisa nova e massa. A cena alternativa está fervilhando de coisa boa, especialmente aí no Recife. Recebemos muitas indicações incríveis. Além desses sons, eu tenho escutado o disco novo da Billie Eilish que saiu essa semana, achei foda!
JC – A experiência com a maternidade mudou o modo de compor? Como essa nova vivência se reflete nas letras e no processo criativo?
PITTY – Olha, não consigo enxergar nada tão pragmático nessa mudança; mas acredito que haja sim. Porque é uma transformação de vida, de corpo, mente e coração. Mas é de uma sutileza tão grande que não dá pra apontar um fato. Além da questão prática de falta de tempo, as outras mudanças são subjetivas. A essência continua a mesma, a linguagem vai mudando, as escolhas estéticas.
JC – Em um recente post no Twitter você comentou sobre se sentir “sem graça” em continuar divulgando os novos trabalhos enquanto o País passa por momentos tão delicados. Com o clima geral tão exaltado, quais cuidados você toma para que a criatividade e a vitalidade para a rotina na estrada não sejam afetadas?
PITTY – Cuidar da saúde mental nesse momento é muito importante, acho que para todos nós. A sensação é que estamos nesse momento desvairado, nesse barco à deriva da polarização, do rancor, da falta de ouvir o outro. Todos gritam e ninguém se escuta. Valores humanos inquestionáveis sendo postos à prova. Meu jeito de não entrar nessa histeria coletiva é simplesmente me desconectar sempre que possível. Escolher os momentos em que estou menos vulnerável emocionalmente para participar e colaborar em discussões, para ser produtiva.
JC – Você sempre se posiciona politicamente e frequentemente é apontada como uma das principais artistas brasileiras a defender ideais feministas. Considera que esse é um “papel” que o artista deve desempenhar?
PITTY – Não necessariamente. Particularmente me identifico e apoio artistas que o fazem, mas não acho que seja uma premissa geral. Penso que se você tem oportunidade e voz para levantar debates e questionamentos que podem melhorar a nossa sociedade e não o faz, isso é uma espécie de omissão. E, embora possa ser considerado como uma falha moral, todo mundo tem direito de ser omisso nesse caso.
JC – O [disco de estreia] Admirável Chip Novo completou 15 anos em 2018, fazendo com que muitos fãs relembrassem a ligação emocional que têm com o álbum. O que mudou, ao longo desse tempo, na sua relação com público?
PITTY – Fomos crescendo juntos, transitando e transmutando. Hoje percebo meu público mais diverso do que nunca, e isso me dá uma satisfação danada. É muita gente diferente misturada e convivendo pacificamente no meu show, numa espécie de micro-cosmo do que imagino que o mundo poderia ser. Tem gente das antigas, que acompanha desde o começo; tem gente que começou a curtir por agora; tem gente de todo tipo. É um público heterogêneo, fluido e aberto à experimentações; o que me deixa muito livre e muito feliz.
JC – Ainda sobre mudanças temporais, algumas críticas à época do Chip Novo apontavam seu som como “juvenil” ou “efêmero”. Acredita que isso teve a ver com machismo?
PITTY – Pode ter tido esse lado, sim. Mas acho que era mais porque realmente nessa época pegou a molecada de jeito. E aí a turma mais velha ficava cabreira de dizer que curtia, num clássico conflito de gerações (risos). Muita criança nessa época curtia o som, acho que porque tinha a MTV e eles tinham acesso aos clipes e tal. Hoje juntou geral, não há mais esse conflito. O tempo foi deixando tudo mais claro e mostrando o que permanece.
JC – Recife é uma cidade que abraça o seu trabalho há muito tempo. A efervescência musical que aqui aflora ajudará a entender o que será o disco Matriz?
PITTY – Ah, com certeza! Aff, como eu amo essa cidade, esse povo! É uma identificação profunda, inclusive com essa coisa da cena alternativa ser tão forte num lugar com uma cultura regional igualmente robusta. Uma alegria poder chegar aí com essa minha nova turnê, tô cheia de novidade pra mostrar. E ainda tem a participação de Flaira Ferro no projeto Palco Aberto, então vai ser pra unir e movimentar a cena mesmo. Vâmo que vâmo!
SERVIÇO
Pitty apresenta Turnê Matriz – Neste sábado (6), a partir das 21h, no Baile Perfumado (Rua Carlos Gomes, S/N, Madalena). Ingressos: Pista – R$55 (meia) e R$ 110 (inteira); Frontstage – R$85 (meia) e R$170 (inteira), à venda nos quiosques Ticket Folia (Shoppings Recife, Guararapes, Plaza, RioMar, Tacaruna e Boa Vista). Informações: 99980-1198