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Uma das partes menos conhecidas da obra de dois grandes poetas brasileiros, Paulo Leminski e Alice Ruiz, é a experiência como roteiristas de histórias em quadrinhos. Na efervescência cultural da Curitiba dos anos 1970, os dois colaboravam constantemente para as publicações da editora Grafipar, que se tornaria uma referência para as HQs da época. Os dois costumavam, no começo, a escrever textos ou, no caso de Alice Ruiz, fazer a análise astrológica para as revistas da empresa, até que, através de conversas com Cláudio Seto, coordenador da parte de quadrinhos do local, começaram a conceber roteiros.
Nunca antes reunidos em um só volume, essas histórias foram reunidas neste ano no volume Afrodite – Quadrinhos Eróticos, em um edição organizada por Worney Almeida de Souza para a Veneta. São 24 narrativas, ilustradas por vários artistas, que exploraram vários gêneros: do terror à mitologia, do fantástico ao humor.
Apesar do que o título da coletânea sugere, não são histórias eróticas de fato que compõem o volume. A liberdade de trazer nudez e sexo está em boa parte delas, mas são elementos que servem apenas como pretexto – usado, sem dúvida, com certa ironia por Paulo e Alice – para tentar capturar o leitor. “Fosse qual fosse o assunto, o gancho de tudo era o sexo. Afinal, a editora tinha que sobreviver”, conta a poeta no prefácio.
A Grapibar, como conta Alice no prefácio do volume, tinha uma revista séria, a Atenção, e várias publicações menores, a maioria com alguma temática sexual. Era o caso da Eros, voltada para homens, que logo gerou uma antagonista fiel: a Rose, que se intitulava a “revista que tira a roupa dos homens e informa as mulheres”. A partir delas, Alice criou também a Horóscopo de Rose, que trazia temas astrológicos.
A coletânea mostra trabalhos que, apesar de alguma criatividade, obedecem com poucas mudanças a um formato comercial – os desenhos também são relativamente convencionais. O principal valor dele é a trangressão dos temas, especialmente a partir do feminismo, que aparece até no meio das histórias de horror. A primeira história de Alice, uma das melhores do volume, surgiu para se contrapor ao discurso de um dos grandes autores curitibanos, Dalton Trevisan.
Se há pouca poesia nos roteiros dos dois, há uma prova de que ambos foram artistas que não hesitaram na hora de usar as muitas linguagens possíveis