O crítico, produtor e diretor de cinema pernambucano Kleber Mendonça Filho, de Aquarius e O Som ao Redor, entregou, nesta quarta-feira (6), ao presidente da Fundação Joaquim Nabuco, Luís Otávio Cavalcanti, uma carta pedindo exoneração da coordenação de Cinema. Em seguida, o cinesta viajou para os Estados Unidos, onde vai apresentar Aquarius no Festival de Cinema de Nova York, e só retorna no fim do mês.
Leia Também
- Kleber Mendonça Filho: ''Houve retaliação a Aquarius''
- Aquarius fará parte do catálogo global da Netflix
- Kleber Mendonça repercute a não indicação de Aquarius ao Oscar
- Para refletir sobre o que virou o caso 'Aquarius'
- Kleber Mendonça Filho fala sobre Aquarius, ao vivo da redação
- Aquarius é eleito como melhor filme em festival de Amsterdã
Kleber atuava na autarquia ligada ao Ministério da Educação há 18 anos. O afastamento, segundo o cineasta, se deve à necessidade de se dedicar “a projetos de cinema”. Na carta, ele não se refere ao episódio do protesto que liderou durante a avant-première do longa-metragem Aquarius no Festival de Cinema de Cannes, em maio deste ano, contra o processo de impeachment da então presidente afastada do Brasil, Dilma Rousseff, que depois foi destituída.
A equipe do filme exibiu cartazes com frases dizendo que havia “um golpe de estado em curso no Brasil”. Aquarius, atualmente em cartaz nos cinemas do Brasil e da França e visto por mais de 350 mil pessoas, foi preterido pelo Ministério da Cultura na escolha para representar o Brasil na disputa de uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na ocasião, o cineasta alegou ter sido vítima de perseguição política.
Kleber tinha planejado se pronunciar sobre a decisão posteriormente, uma vez que embarcava aos Estados Unidos para apresentar Aquarius no 54º Festival Internacional de Filmes de Nova York quando a informação vazou. Ele também tem agendados compromissos em Los Angeles e San Francisco, onde participará de debates e reuniões de trabalho relevantes às atividades da curadoria do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, segundo autorização que havia recebido da autarquia, como consta no Diário Oficial da União.
O vazamento de seu pedido de exoneração o pegou de surpresa. “Estou num avião indo para NY. Está tudo certo. Preciso de tempo para projetos de cinema e já pensava nisso há 2 anos”, disse Kleber, por mensagem de texto, ao ser procurado pela reportagem do Jornal do Commercio. “Não era nunca para sair matéria antes de eu me explicar, vai ficar destorcido”, lamentou. “Vão fazer especulações em cima de basicamente zero”.
O cineasta disse, ainda, que vai se pronunciar pelas redes sociais assim que chegar à Nova York. Entre os amigos mais próximos, a notícia já era esperada e ficou mais certa quando o cineasta protestou contra o governo Temer durante a estreia de Aquarius em Cannes.
AGRADECIMENTO A KLEBER
O presidente da Fundaj, Luiz Otavio Cavalcanti enviou nota oficial se manifestando sobre a exoneração de Kleber, na qual diz que “respeita a decisão do cineasta Kleber Mendonça de entregar o cargo por considerar este um ato pessoal. O mesmo respeito com que tratou a decisão de Kleber Mendonça de permanecer no cargo durante os 05 meses da atual gestão. O presidente da Fundaj agradece ao cineasta pelo trabalho realizado na instituição e na promoção do Cinema da Fundação e deseja sucesso nessa nova etapa profissional.”
Confira abaixo entrevista concedida pelo cineasta na redação do JC sobre o filme Aquarius:
CONFIRA A ÍNTEGRA DA CARTA DE EXONERAÇÃO DE KLEBER MENDONÇA FILHO
"Ao Sr. presidente da FJN, Luiz Otávio Cavalcanti
À diretora da MECA, Valéria Costa e Silva
Luiz Joaquim, COCIN
Caro Luiz Otávio
Venho, com esta carta, pedir meu desligamento da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), onde desempenhei com enorme prazer e ao longo de 18 produtivos anos a coordenadoria de cinema da Fundação.
A decisão, que vinha sendo pensada já há quase dois anos, vem num momento particular da minha carreira como cineasta, carreira esta que sempre correu paralelamente às minhas funções nesta instituição, começando com meus filmes de curta-metragem e chegando às minhas três produções em longa-metragem.
Neste ano de 2016, com novos projetos de realização em cinema no Brasil e no exterior materializando-se, vejo que equilibrar minha função fixa e diária na instituição com minhas produções torna-se finalmente inviável. Curiosamente, foi em 1992, na fundação Joaquim Nabuco, no Derby, que mostrei publicamente pela primeira vez um filme meu, na época feita em vídeo.
Neste 18 anos, também desempenhei o papel de crítico de cinema do Jornal do Commercio e escrevi para a Folha de S. Paulo. Toda essa atividade no campo do cinema e da cultura, de alguma forma, somava no sentido de dirigir de um setor que sempre teve como missão abrir espaço para o audiovisual numa instituição tão forte e respeitada como a Fundação Joaquim Nabuco.
Eu conheci a Fundação Joaquim Nabuco na infância, através da minha mãe, Joselice Jucá, que foi diretora do Cenibra e do Departamento de História. Em 1998, três anos após sua morte prematura, vim, como repórter de cultura do Jornal do Commercio, entrevistar a então diretora do então Instituto de Cultura, Silvana Meireles, sobre o que, na época, era uma aquisição recente de equipamentos de som e projeção 35mm para o auditório José Carlos Cavalcanti Borges.
A minha pauta jornalística naquele dia: 'Qual a política de programação a partir desses novos equipamentos a serem usados pela instituição?'. Silvana respondeu, em parte, indagando se eu teria o interesse de assumir o cinema, pensando numa política de programação e formação de público. Eu disse que sim, eu tinha 29 anos.
Muito me alegra ver que, depois de 18 anos, o Cinema da Fundação tornou-se um órgão catalisador de diálogo, de cultura e que ele é visto e já estudado como grande incentivador para toda uma movimentação em torno do cinema em Pernambuco, produção esta que é hoje discutida em todo o Brasil e também no exterior a partir de uma comunidade critiva, que é algo de impressionante.
Nossas salas são referência, técnica e conceitualmente, com preços muito abaixo dos praticados pelos cinemas comerciais, muito embora, para que tudo isso exista, um esforço às vezes grande demais seja necessário no dia a dia de uma instituição pública. É um trabalho árduo de equipe.
Preciso também deixar aqui registrada a minha gratidão pelo diálogo direto e inteligente com o Dr. Luiz Otávio como presidente da Fundação Joaquim Nabuco num ano tão confuso politicamente para o nosso Brasil, pela sua demonstração de respeito pelo trabalho que desenvolvi aqui, pela sua tentativa de acomodar uma situação incomum de ter um servidor público que faz filmes brasileiros com carreiras internacionais, e por ver que um filme pernambucano e brasileiro que viaja o mundo é motivo de orgulho para a nossa cultura, e nunca vergonha. Também me chamou a atenção a clara admiração que Dr. Luiz tem pela Fundação Joaquim Nabuco, à história dessa instituição e seu papel na sociedade, em todas as áreas nas quais ela atua, inclusive a cutura.
Também deixo aqui registrado o excelente diálogo que tive com Valéria Costa e Silva, como diretora de cultura e minha chefe, sempre no sentido de encontrar soluções construtivas para esta instituição. Em Valéria só consigo enxergar entusiasmo pela oportunidade acrescentar algo à Fundação Joaquim Nabuco.
Por fim, deixo aqui meu agrdecimento à equipe de cinema, de Vera Cavalcanti a João, Rosi, Paula, Selma, a Aidigi, Sandra e Romero (in memoriam), a Silvana Meireles e Isabela Cribari, que me trouxeram e me mantiveram aqui. E a Luiz Joaquim, que foi desde 2001 excelente parceiro de trabalho, colaboração rara, que poderia ter dado muito errado (dois cinéfilos escolhendo filmes...), mas que deu muito certo, numa mescla de personalidades distintas, unidas por um interesse nato por filmes e pela cultura.
Obrigado,
Kleber"