O Rio de Janeiro continua lindo, embora numa crise econômica sem precedentes em sua história recente. Na edição de 10 de novembro de 2016, o jornal El País, que no Brasil circula apenas em versão online, apontava para a ferida: “A situação econômica do Estado, em calamidade pública por causa da crise, beira o limite e as Olimpíadas, que chegaram a ser apontadas como causa do colapso, tornaram-se hoje o salva-vidas que pode aliviá-la. Por enquanto.”, escreveu a repórter María Martin.
Com o aporte pré-Olimpíadas, por parte do Governo Federal, de R$ 2,9 bilhões a fundo perdido, a Cidade Maravilhosa pôde empurrar a crise para mais tarde e os Jogos Olímpicos transcorreram em clima de “Sim, nós podemos”. Agora, o “mais tarde” chegou e a capital do Estado fluminense precisa, como nunca, recorrer ao seu inegável charme para conquistar corações e mentes dos seus compatriotas, Brasil afora, principalmente porque o estrangeiro parece estar mais arredio que em outras épocas.
O turismo doméstico volta à lista de prioridades da cidade carioca, que, desta vez, sem o poder catalisador de um evento esportivo daquela magnitude, sente necessidade de ir além dos conhecidos cartões-postais imortalizados em contraluzes sonhadores e vertiginosas panorâmicas que potencializam a perfeição devastadora de sua topografia de côncavos e convexos. Parece ser pedir muito, mas, sim, o Rio, um destino superlativamente abençoado no que diz respeito às belezas naturais, quer mostrar que ainda pode mais.
Em meio ao caos das contas públicas em completo desarranjo, o carioca é outra dessas forças da natureza com a qual se pode contar. Sua proverbial criatividade, bom gosto, savoir faire e aquele discreto ar blasé de quem sabe ser latifundiário de um paraíso movem montanhas.
No rescaldo dos Jogos Olímpicos, intervenções urbanas e atrações ficaram como bônus para o morador e o visitante. O Projeto Porto Maravilha é, hoje, um dos principais argumentos de venda deste “novo Rio”, aquele que ainda não foi visto por quem evitou ir à cidade no período em que o dólar e o euro proveniente dos gringos provocaram a superprecificação dos serviços. Agora, com calma e nas condições normais de temperatura e pressão, é possível para os vizinhos de outros Estados apreciarem com vagar, e mais dentro do orçamento, o legado deixado pelas Olimpíadas.
A reurbanização da região portuária valorizou uma das áreas mais emblemáticas do Rio de Janeiro: aquela que compreende os bairros do Santo Cristo, Gamboa, Saúde e trechos do Centro, Caju, Cidade Nova e São Cristóvão. A revitalização incluiu a demolição dos 4.790 metros do Elevado da Perimetral, um monstrengo que cortava a paisagem e alienava os pedestres de um convívio mais aproximado.
Um passeio de reconhecimento por este Rio que permaneceu decadente por um longo tempo pode começar, por exemplo, na Praça Muhammad Ali, na Gamboa, onde está localizado o Aquário Marinho do Rio de Janeiro, ou AquaRio, e terminar no Museu do Amanhã, na Praça Mauá. Esta distância de 3,4 km, percorrida em cerca de 17 minutos, dará ao pedestre uma boa ideia da transformação realizada e da importância de se pensar as metrópoles de forma que elas possam ser “degustadas” com o pé no chão.
Uma visita ao AquaRio vale a pena, se você estiver com o bolso cheio. Afinal, a tarifa normal custa R$ 80, com meia-entrada prevista em alguns casos. Dirigido pelo biólogo marinho Marcelo Szpilman, este equipamento privado tem como ponto alto o Recinto Oceânico e de Mergulho. É, de fato, embevecedora a sensação de se estar coberto por naquela imensidão azul, vendo espécies como tubarões e raias planando sobre sua cabeça. A façanha é possibilitada por uma estrutura transparente que sustenta 3,5 milhões de litros d’água, complementada por túneis que permitem o passeio pelo seu interior.
Ao sair do AquaRio, a caminhada pela Orla Conde, um boulevard para pedestres com pontos para os VLT (Veículos Leves sobre Trilhos), vai nos requisitar algumas paradas – mais demoradas para exploração em profundidade ou para uma rápida e obrigatória selfie.
No meio do percurso está o grafite gigante pintado pelo artista Eduardo Kobra, num mural de 2,5 mil metros quadrados, que se professa a maior obra de street art do mundo. O trabalho, batizado de Somos Todos Um, retrata povos nativos dos cinco continentes do planeta e sua técnica hiper-realista não deixa ninguém indiferente.
O Museu do Amanhã está para a Praça Mauá assim como o Arco da Apoteose está para o Sambódromo. A imensa, mas curiosamente leve, estrutura branca projetada pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, já é, por si, um motivo forte para visitação. Em seu interior, soluções high-tech empurram o visitante para a reflexão sobre o papel da sustentabilidade na construção de um mundo viável.
O bom do Rio é, também, o modo como os cariocas se apropriam de sua cidade e as circunstâncias que a cercam: com alegria, energia e resiliência, tudo isso de um jeito que parece transformar qualquer obstáculo em solução. O botequim Aconchego Carioca é, dentro desse modus operandi, a epítome do espírito da cidade, traduzido para a gastronomia.
Regido por Kátia Barbosa, uma tijucana que fala daquele jeito delicioso , fazendo o “s” ter som de “x”, o Aconchego abriu sua primeira unidade na Praça da Bandeira, Zona Central da cidade. Kátia, àquela altura uma falida ex-vendendora de joias, entrou na cozinha para se ocupar e ajudar o irmão e a cunhada, que na época eram os proprietários. Terminou não apenas virando sócia do empreendimento, mas imprimindo-lhe personalidade e autoralidade intransferíveis.
Kátia cria suas receitas como quem conversa: emendando ideias com um arguto senso de observação; boa dose de humor e um conhecimento profundo da alma do seu povo, que é o povo brasileiro. Kátia é filha de paraibanos, por isso, o DNA nordestino, presente em cada célula do seu corpo, está indissoluvelmente entranhado à carioquice adquirida por direito de solo.
Suas “invenções” parecem brotar ao acaso, mas a verdade é que por trás de tanta alquimia com resultados surpreendentes está uma dedicação quase obcecada aos livros de culinária. Kátia pesquisa, adapta, testa e implanta. Foi seguindo esse protocolo que surgiu o bolinho de feijoada. Esse petisco, agora mais do que copiado, catapultou-a – e a seu empreendimento – para a fama, primeiramente no Rio, depois ganhando o Brasil e agora mirando o mundo. Em forma de croquete, seu recheio é composto pelo feijão preto processado até se tornar uma pasta, mais couve e bacon, acompanhado por torresmo e batidinha de limão.
O resto do menu segue nesse tom, conjugando o espírito lúdico e saboroso que, em última instância, define o Ridixaneiro.
ECOLOGIA E AVENTURA
Mas se você quer fazer diferente mesmo, quem pode lhe ajudar é a empresa Rio Ecoesporte. Para grupos a partir de cinco pessoas, guias especializados traçam um roteiro personalizado que foge de todas belas obviedades que você já visitou. Pode até ser no mesmo lugar, mas, seguramente, o passeio será feito de um jeito diferente e um novo ângulo será ofertado. É o olhar extraordinário sobre aquilo que a naturalização tornou “comum”.
A nossa escolha foi um passeio pelo complexo lagunar da Barra da Tijuca, Zona Oeste do RJ, começando pela Lagoa da Tijuca a bordo de uma chalana. Para encontrarmos o local exato do cais, foi dado como ponto de referência um posto de gasolina. Depois, ficamos sabendo tratar-se daquele no qual os nadadores americanos, tendo como protagonista Ryan Lochte, armaram o maior babado (querem coisa mais carioca?!). Ali por trás, já de cara com a Ilha da Gigoia (uma das várias ao redor), tem o início o percurso por esta região que é conhecida como o “pantanal fluminense). Prepare-se para ver dezenas de jacarés tomando sol na margem e torça para que as capivaras também apareçam.
Na curva da Av. Niemeyer, tendo por trás a comunidade do Vidigal e, diante de si, a extensão do mar sem fim, decorada pela sinuosa faixa de areia que conhecemos pelos nomes Leblon e Ipanema (até o Arpoador), está o hotel que há 42 anos aposta no Rio de Janeiro como destino obrigatório. A rede Sheraton foi a primeira estrangeira do ramo hoteleiro a se instalar entre os cariocas, e a unidade de São Conrado, com seus 559 quartos, depois de passar um período fechada para reformas, está de volta, rejuvenescida pelo poder dos US$ 55 milhões nela investidos.
A reformulação preservou sua estética dos anos 1970, readequando-a aos conceitos de conforto e funcionalidade impostos pelo século 21. Além da vista deslumbrante, que se descortina de qualquer ponto de onde se esteja, a área da piscina, com projeto de ajardinamento assinado por Roberto Burle Marx e espetacular enquadramento para a praia, é quase um clichê daquilo que imaginamos ser a doce vida do turista no Rio de Janeiro. Com o dinheiro investido, o hotel ascendeu à categoria de “grand” e agora pode ser considerado um resort. A feijoada servida aos sábados é lendária, mas o complexo gastronômico vai além desse dia e especialidade específicos. O sofisticado L’Etoile, por exemplo, comandado pelo chef Jean Paul Bondoux, tem sua cozinha fincada no primeiro lugar na lista do Trip Advisor.
Longe da praia, destino usualmente mais buscado pelos viajantes, a chegada do Mama Shelter em Santa Teresa, em setembro passado, é definitivamente um sinal de que o Rio é sempre olhado com o carinho reservado às relações que têm futuro. Este hotel-conceito foi lançado pela rede AccorHotels, primeiramente em Paris, no 20º arrondissement, também uma vizinhança não tradicionalmente procurada por hóspedes. A estratégia do Mama Shelter é, prioritariamente, tornar-se um ponto de diversão no histórico bairro – para isso contando com um, restaurante, bar e muita música rolando, até as 22 horas, em respeito ao repouso dos moradores de Santa. E, em segundo lugar, tornar-se também uma opção de hospedagem, disponibilizando 55 apartamentos.
Uma das características do Mama Shelter é transmitir a ideia de aconchego e abrigo. Na porta, estende-se uma bandeira branca, sinalizando a boa vontade entre os homens. A culinária praticada remete às receitas de família ou àquelas de domínio público, encontradas nos PFs da vida, mas, claro com trato de especialista: o chef é egresso do famoso Brasil a Gosto, restaurante paulista de Ana Luiza Trajano. Empacotando tudo isso, uma diária acessível (é possível ficar lá pagando a partir de R$ 300) e uma decoração despojada, moderna, mas de extremo bom gosto.
Um pouco mais adiante, no mesmo charmoso bairro, o Santa Teresa M Gallery, também sob administração AccorHotels, ficou conhecido quando recebeu Amy Winehouse e, de sua varanda, a diva acenou para o mundo. É bem acima da capacidade de um orçamento da classe média, mas ao menos um drinque no seu famoso Bar dos Descasados vale. Ah, se vale!