Sua grande inspiração era o Pateta; o seu modelo de arte, Carl Barks, o quadrinista que criou o Tio Patinhas. Seu panteão era completado com a admiração por Tristan Tzara, dadaísta de primeira hora. Quando tinha apenas 32 anos, o cartunista italiano Andrea Pazienza era o mais bem pago das HQs do seu país. Sua fama transcendia o universo underground: já havia feito o cartaz de Cidade de Mulheres, de Fellini, e preparava o roteiro de um filme com Roberto Benigni.
Os Últimos Dias de Pompeo, escrito nesse período, é uma obra visceral, caótica e quase nonsense em alguns de seus momentos. Lançada agora pela Veneta, a narrativa traz, como sugere o título, o cotidiano dos passos finais de Pompeo, um artista mergulhado no vício em heroína. Como o próprio Andrea morreu antes de completar 33 anos, em 1988, vítima de uma overdose da substância, a HQ assumiu logo o caráter de testamento daquele que se tornaria ainda mais um mito do underground italiano.
A obra de Andrea circulou pelo Brasil antes, principalmente na revista Animal, com a série Zanardi, feita em parceria com Tamburini (que também morreu prematuramente). Seu traço tem um que canibal – muda de acordo com a necessidade e a influência do autor no momento.
Andrea não é, de forma alguma, um quadrinista careta. Os Últimos Dias de Pompeo, no entanto, talvez seja sua experiência mais visceral. Os altos da heroína mostram a versatilidade do desenho dele; a sujeira das páginas, algumas com o quadriculado do fundo e rasuras intencionalmente expostas, é o retrato do próprio Pompeo. Afinal, “a vida é breve, o homem é caçador, e vamos ficar mortos tempo demais”.
Entre citações de leituras, fluxos de consciência (é bom destacar que o texto chega a tomar boa parte do visual na história) e palavrões, Andrea faz retrato desbocado e, por trás da rudeza, triste de um artista que não sabe mais viver essa “vida longa e errada” sem a rotina da heroína. Ali, está posto que o oposto aos picos é o tédio, é a sensação de que fazer apenas o convencional é que é chegar ao fundo do poço.
“Eu vivo no fio da navalha, me comovo pelos bas-fonds, falo com os procurados pela justiça, me viro, ganho e dilapido milhões, depois arrisco, me esfalfo, me humilho, me rendo, depois me pico, e tudo fica bonito, mais resplandecente do que antes! A alternativa é a cervejaria, o trabalho, a poupança, o normal desgastar-se do corpo, o estudo, o amor, a busca, o tonto natural, o simpático, a antipática, dois + dois são quatro, despertador às oito, viagens, acidentes no ônibus, Milão, jantares de negócios, e aquelas personagens não valem mais do que aquelas outras, aposentadas da felicidade. Um saco ali também, mais saco do que aqui”, diz, ácido, o personagem. Não é à toa que a sua resposta a isso é simplesmente “ressurgir, ressurgir, ressurgir...”.