Beyoncé foi o nome de 2016, um ano marcado por muitas mortes

A crise mundial refletiu na indústria do disco e no show business
JC Online
Publicado em 19/12/2016 às 12:00
A crise mundial refletiu na indústria do disco e no show business Foto: foto: JC Imagem


Um ano marcado por muitas baixas na música, iniciada em janeiro com a morte de David Bowie, que compôs a trilha do próprio fim, Black Star. O disco foi quase unanimidade internacional, disputando com Lemonade, de Beyoncé, o título de Melhor do Ano, seguido d esperto por Blond, de Frank Ocean. Veteranos. Outras grandes perdas de 2016, Naná Vasconcelos, Prince, Leonard Cohen, Leon Russel, Cauby Peixoto Com o viés de se incensar o novo, deu-se na imprensa pouca atenção a álbuns que figuram entre os melhores já feitos por nomes com décadas de carreira, mas que não entraram para o time de cult. É o caso de Paul Simon, Em Stranger to Stranger. Ele não fazia um disco tão bom desde Graceland, de 30 anos atrás. O mesmo para Elton John, com Wonderful Crazy Night, uma coleção de canções pop, assinadas com Bernie Taupin, comparável à produção dele nos anos 70. Na sua lista de 50 melhores álbuns do ano, a Rolling Stone, a americana, cita 10 nomes com mais de 30 anos de carreira.

Embora tampouco tenha frequentado paradas musicais radiofônicas, ou televisivas, a MPB reafirmou o talento e a força de dois veteranos, fenômenos de 2016. a carioca Elza Soares, com A Mulher do Fim do Mundo, um disco - denúncia. A suingada sambista de sucesso dos anos 60, transformou-se em fortaleza da mulher negra, velha (79 anos), que canta as dores do mundo (o disco está na lista de melhores do jornalão New York Times, e do site indie Pitchfork). No ano em que inteirou 80, o baiano Tom Zé despe-se diante em público, no despudorado Canções Eróticas de Ninar, que como Fellini, em Amacord, torna universais as idiossincrasias de sua aldeia (no caso, Irará)

BEATLES X ROLLING STONES

A curadoria do espólio dos Beatles continua impagável em manter em evidência, um grupo extinto há 46 anos. Aproveitando o gancho de aniversário de meio século da última turnê da banda, lançou-se o doc The Beatles: Eight Days a Week – The Touring Years, de Ron Howard, com a trilha em disco. O doc não tem nada não já tenha sido visto antes, nas dezena de filmes sobre o grupo. A única novidade talvez seja a presença da atriz Sigourney Weaver, beatlemaníaca de primeira hora. 

Já os Rolling Stones, até hoje, rivais do Fab Four, com Blue & Lonesome, foram direto para o topo das paradas inglesas, algo que não acontecia desde 1994, com voodoo Lounge. Nada mal para um álbum, surgido por acaso, durante um ensaio, e gravado em apenas três dias. O feito dos Stones chega ao grau do extraordinário, por acontecer em dezembro, mês em que se avolumam os lançamentos, depois por o grupo não lança disco de estúdio desde 2005 (A Bigger Bang), depois por ser um álbum de covers. Por fim, por ser um álbum de blues, algo que poderia ser natural há 50 anos. A título de curiosidade, este ano Bill Wyman (que deixou a banda em 1993) tornou-se o primeiro Rolling stone octogenário (entrou nos 80 anos em outubro).

Mas não é de estranhar que os Rolling Stones vendam tão bem na segunda década do século, a onda retrô do vinil pegou tão bem, que em 2016, pela primeira vez, neste século, o formato ultrapassou a venda de álbuns digitais na Inglaterra, um dos termômetros da indústria fonográfica. O CD já cansado de guerra tem a existência ameaçada. Os novos consumidores adaptaram-se ao digital, ao streaming (o que praticamente acabou a pirataria física), mas o LP é fetiche, e lucrativo para a indústria. 

RAP & MPB

Depois de anos de treta com o sucesso, o rap chegou junto do mainstream, e em 2016, até o irado Mano Brown mostrou que os brutos também amam, com o primeiro álbum solo, Boogie Naipe, cheio de canções que versam quase sempre o amor, com batidas dançantes. Clemente, outro personagem da periferia paulista, pioneiro do punk nacional, também estreou disco solo, e numa linha diferente do que faz nos Inocentes ou na Plebe Rude. Em Antes Que Seja Tarde, ele tira da gaveta canções mais leves, que não se encaixariam no repertório das duas bandas. 

Do pessoal da emepebê, foram poucos os medalhões com discos novos. Chico Buarque apareceu cantado pelo português Azambujo, em Até Pensei que Fosse Minha, num trabalho elogiado, com a participação do generoso Buarque de Holanda. Gal Costa e Ney Matogrosso prosseguiram com turnês que vêm de 2015. Curiosamente, o astro da MPB mais badalado, foi Belchior, redescoberto por um público muito jovem. Embora esteja em lugar incerto e não sabido (segundo dizem em Porto Alegre), Belchior foi assunto da imprensa pelos 70 anos que completou em 2016, quando completou idade redonda, Alucinação seu melhor trabalho.

A fragmentação da produção independente, o desinteresse, ou desinformação do rádio e TV em relação às novas caras da MPB, e as várias variáveis embutidas na sigla, do rock indie de O Terno, de Melhor do Que Parece, ou inclassificável Filarmônica de Pasárgada, com Algoritmos, um dos álbuns mais inventivos da temporada. Céu, bola da vez desde o primeiro disco, (Céu, 2005), ficou no limiar do sucesso nacional com Tropas, seu melhor álbum. Mas ainda não foi desta vez que se livrou do status de cult. Quem apareceu bem foi Mahmundi, que lançou um elogiado álbum homônimo em 2016, planando entre música eletrônica, indie, soul etc.

ALCEU

Alceu Valença inteirou os 70, com uma profusão de lançamentos, da trilha de A Luneta do Tempo, dirigido por ele, um álbum duplo, a uma revisão n sua obra setentista, reunindo músicas de Molhado de Suor, Vivo! E Espelho Cristalino no show Vivo/Revivo, gravado em outubro de 2015, no Sta Isabel, e lançado em setembro, em CD e DVD. Completando a revisão, foram relançados em LP, numa caixa, os três discos citados. Mas a novidade mesmo foi o resgate de Saudade de Pernambuco, gravado na França, há 37 anos, e somente agora oficialmente integrado à obra do cantor, incluído na caixa Anos 70, e editado também em CD. Por fim, neste mês que ultima o ano de 2016, Alceu, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo aportaram nas lojas com mais um Grande Encontro, em CD e DVD, registro da turnê que teve uma apresentação apoteótica no Classic Hall.

O sertanejo e o funk assumiram o posto da musica pop nacional. Em duplas ou individualmente, os sertanejos, ditos universitários, mandam no mercado. A novidade neste nicho foi a entrada em massa sertanejas, que repetem o discurso dos marmanjos, do ponto de vista da mulherada. Ambos, homens ou mulheres, com uma música indigente, que repetem melodias e temas. Uma indústria tão lucrativa que muitos autores saíram dos bastidores e passaram para o palco, a exemplo do que aconteceu na fuleiragem music, com Dogival Dantas. Um bom exemplo é a mato-grossense Paula Mattos, responsável por sucessos de, entre outros, Luan Santana, Gusttavo Lima, Thaeme & Thiago, Munhoz & Mariano, Marcos & Belutti e Zé Felipe. O pagode romântico, embora com menos exposição na midia, ainda é capaz de arrebanhar grandes plateias. Este ano um “grande” encontro”, o Gigantes do Samba, com Belo, Alexandre Pires e Luis Carlos (Raça Negra), não chegou a ser um fiasco, mas degringolou em pouco tempo.

Num ano de muitas efemérides, os 100 anos do samba não foram tão festejados quanto merecia o gênero brasileiro mais popular (embora já não mais tanto assim). O disco mais interessante de samba tem repertório de Nelson Cavaquinho interpretado por Rômulo Fróes, Rei Vadio- As Canções de Nelson Cavaquinho, outro que poucos ouviram.

Mais um ano sem uma banda, ou artista solo, daqui e lá de fora estourar pra valer. A Los Hermanos foi a última banda brasileira sucesso de vendas e de público, sem fazer música para adolescentes.

Lá fora, a coisa não é diferente. Um fenômeno de crítica e comercial como os Strokes não se repete há 15 anos. Este ano, grupos como o inglês The 1975, com I Like It When You Sleep, for You Are So Beautiful Yet So Unaware of It, fez barulho, vendeu bem, mas está distante de ser fenômeno pop.

O álbum do The 1975 foi considerado o melhor do ano pelo New Musical Express, mas assim como os outros 49 discos abaixo dele, teve sucesso restrito. Fragmentado como está o mercado, com infinidades de nichos, as atenções voltam-se para os medalhões. A Radiohead, que não é de concessões lançou, A Moon Shaped Pool, mais um álbum aclamado pela crítica e pelos fãs. 

A King of Lions ascendeu ao nível de grande, com Walls, disco recebido com ressalvas. Não está fácil para quem faz pop/rock. o pop mainstream de hoje é de nomes como Lady Gaga, Rhianna, Kanie West, Pharell Williams, é provável que se tivesse lançado Is This It em 2016, a Strokes continuasse biscoito fino para poucos. É o que deve acontecer com a também nova iorquina Sunflower Beans, cujo álbum, Human Cerimony figura em várias listas de melhores do ano, mas dificilmente será um novo fenômeno de público e crítica.

A configuração do mercado é, usando a expressão já em desuso, “cada um no seu quadrado”. Em compensação, há mais liberdade para se gravar música que em outros tempos não chegavam com facilidade ao disco. Killer Road, com o Soundwork Collective, com Patti Smith e Jesse Paris Smith é um destes. Uma homenagem a cantora alemã Nico, que começou gravando com o Velvet Underground. O disco tem canções e poemas de Nico, ilustrados com ruídos gravados no local onde ela morreu, uma estrada em Ibiza.

Recurso cada vez mais utilizado pelas gravadoras é o box retrospectivo, ou de raridades. Álbuns simples que se expandem para cinco seis discos. No Brasil a tática não foi muito aplicada. Rita Lee, que lançou uma autobiografia bombástica, recebeu um box, com quase toda discografia, o que também aconteceu com a Guilherme Arantes, na caixa mais bem elaborada do ano. Enquanto a Joia Moderna descobre novos artistas e lança discos de nomes que não interessam ao esquemão das majors, a gravadora carioca Discobertas (mais um selo, na verdade), vem cumprindo um trabalho fundamental de, literalmente, resgatar do limbo discos e artistas importantes. Fez isto com Toquinho, com Jards Macalé,e em dezembro relançou preciosidades de Joyce Moreno, o box Anos 80, com quatro álbuns, três deles raridades 

MORTE

Um ano de perdas importantes para a música popular, a do percussionista Naná Vasconcelos foi uma das mais sentidas. Ao longo de mais de 50 anos de carreira, Naná inovou a percussão brasileira, e mundial, com virtuosismo, reprocessando rirmos pernambucanos e africanos. Não deixou sucessores à altura. David Bowie foi a baixa mais surpreendente. Ciente de que não venceria o câncer, às vésperas de morrer preparou o lançamento do álbum Blackstar, inspirado no próprio fim. Mais ou menos isso fez o canadense Leonard Cohen, com You Want it Darker, cuja música compôs enquanto lutava contra um câncer. A lista, infelizmente é grande, vai de astros esquecidos, como Billy Paul, a lendas da MPB, Cauby Peixoto, do rock, Greg Lake, até o maluco nada beleza Damião Experiência.


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