Diante de um cenário de incertezas e ataques recorrentes por parte do governo federal à arte, reunir criadores, gestores e público para trocar experiências, discutir caminhos e, também, se fortalecer, ganha contornos ainda mais significativos. Foi o que aconteceu ontem no primeiro dia do seminário Arte Contemporânea em Perspectiva realizado no Sesc Garanhuns, dentro da programação do 29ª Festival de Inverno de Garanhuns, do qual participaram Kleber Mendonça Filho, Galiana Brasil, Myriam Taubkin e João Cezar Castro Rocha.
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Professor de Literatura Comparada da UERJ, João Cezar discutiu os desafios que a arte contemporânea lançam para o público, que deixa de ser um mero espactador para se tornar participante. Sua apresentação foi seguida por Myriam, pesquisadora de música, que ressaltou a importância dos shows para a sustentabilidades dos músicos diante das transformações do streaming.
À tarde, Kleber Mendonça Filho e Galiana Brasil pautaram questões ligadas à produção e à gestão cultural na atualidade. Pernambucanos, eles atuam como programadores em instituições privadas de São Paulo – Instituto Moreira Sales e Itaú Cultural, respectivamente – e abordaram a necessidade de estar em contato com a produção contemporânea e de reconfigurar a relação do público com esses espaços a partir de um pensamento horizontalizado e que entenda a multiplicidade de vivências.
“É um dever da gestão ampliar a zona de impacto do trabalho para que as ações tenham continuidade. Acessibilidade não é custo, é dívida, e não se pode condicionar a aplicação de recursos à presença dos usuários. A ordem é inversa: as pessoas não vão para esses espaços porque até agora não foram incluídas. Hoje temos muitos desafios, inclusive um público truculento, dividido”, pontuou Galiana.
BACURAU
Kleber Mendonça Filho, cujo filme mais recente, Bacurau, dirigido em parceria com Juliano Dornelles, tem sido apontado como um retrato da era Bolsonaro, ressaltou que seu trabalho, na verdade, é histórico.
“A grande ironia é que o filme fala de temas crônicos do Brasil. Nosso país é um lugar onde os mesmos problemas se repetem há décadas. Esse filme não é sobre o governo Bolsonaro, é sobre a história do Brasil. A gente terminou de filmar no ano passado, quando a ideia de Bolsonaro ser eleito parecia uma piada”, explicou.
Kleber comentou ainda sobre os pronunciamentos do presidente em relação à Ancine, inclusive com ameaças de extinguir o órgão, que é fundamental para o fomento do cinema nacional.
“A classe do audiovisual está tentando entender o que está acontecendo. O cinema é uma arte livre. Imagina um lugar em que alguém chega e diz ‘isso aqui não pode, parece ideologia’? Estamos vivendo algo que não deveríamos, o que é muito triste. Prefiro pensar que (diante deste cenário), irão surgir obras de artistas que inspirados por muita raiva vão fazer obras incômodas e provocadoras”, enfatizou o cineasta.