Verão no Brasil teve pouco amor e flor

Os ventos libertários sopraram pro lado de cá e encontraram os militares
JOSÉ TELES
Publicado em 25/03/2017 às 13:50
Os ventos libertários sopraram pro lado de cá e encontraram os militares Foto: Foto: Divulgação


Metade das poltronas do Teatro Guararapes estava ocupada no show que The Mamas and the Papas apresentou, em janeiro de 1988. O único membro original do grupo era John Phillips, o idealizador do Monterey Pop Festival, que reuniu a melhor música do Verão do Amor, para o qual convergiram hippies dos quatro cantos dos EUA. Phillips foi também o autor do hino do Summer of Love, o hit internacional San Francisco (Be Sure To Wear Some Flowers In Your Hair): “Se você for a San Francisco/Não esqueça de colocar flores nos cabelos”. Da formação do Mamas and the Papas que esteve no Guararapes, fazia parte Scott McKenzie, o intérprete de San Francisco. O Verão do Amor chegou a Pernambuco com vinte anos de atraso. Faça-se justiça. Em 1980, Reginaldo Rossi lançou uma versão de San Francisco, assinada por ele, e batizada de Recife (Se você for até Recife/ Não esqueça da esteira do chapéu / Pois as praias e o sol de Recife / Mais parecem coisas lá do céu”.

No Brasil, o Verão do Amor coincidiu com o auge da Jovem Guarda, e do iê-iê-iê, o rock juvenil, mais atrelado ao passionalismo do samba-canção e do bolero do que à psicodelia. A ligação com a revolução que se processava na Europa e EUA se limitava basicamente aos cabelos longos e calças jeans.

A palavra “hippie” começou a surgir na imprensa brasileira, em março de 1967, quando aconteceu o primeiro be-in em Nova Iorque, no Central Park, em Manhattan. Quando acontecia o enterro simbólico do Verão do Amor em San Francisco, eclodia no Brasil, liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, durante o III Festival da MPB, da TV Record, o que no ano seguinte seria rotulado de tropicalismo, mais próximo da contracultura hippie.

Curiosamente, o grito de guerra dos hippies, no be-in nova-iorquino, era “banana, banana”, o fruto símbolo da Tropicália). “Vocês não estão entendendo nada”, gritaria Caetano no FIC, em 1968. Os Mutantes sabiam disso em 1967. Na primeira entrevista do grupo à revista Intervalo, os galhofeiros Arnaldo e Sergio Batista, disseram se chamar Kry e Krier, e assim são tratados na matéria pela repórter.

“Com slogans eróticos e música ensurdecedora, eles pregam nada menos do que a subversão da civilização ocidental pelo poder da flor, e pela força do exemplo. O que serão? Um sinal de advertência, cristãos primitivos, desertores perigosamente iludidos, ou simplesmente candidatos a uma boa surra e a cursos intensivos de educação cívica?” Este foi um trecho de anúncio da revista Seleções do Reader’s Digest, cuja edição de dezembro de 1967 trazia matéria especial sobre o fenômeno hippie.

TUPINIQUIM

O Verão do Amor brasileiro só começou no início da década de 70, com a turma do desbunde, que preferiu esquecer que o país vivia sob o tacão da ditadura militar e seguiu tardiamente o slogan de Thimothy Leary, não dando atenção a John Lennon, que, em 1970, decretou o fim do sonho. Em janeiro de 1970, dois hippies baianos, Jorrildo e Maria Lúcia, anunciaram que iriam criar uma versão de Haight-Ashbury em Fortaleza, onde realizaram um congresso com 250 integrantes de uma entidade denominada Apolo – PLA.

O início pode ter sido também no primeiro festival “hippie” da América Latina, o de Guarapari, em fevereiro de 1971, proibido pelo regime militar, mas realizado na marra, embora Gal Costa tenha sido proibida de cantar. Naná Vasconcelos foi retirado do palco porque confundiram sua percussão e cantos onomatopaicos com bruxaria. A Polícia Federal fez-se presente em Guarapari com o intuito de coibir os hippies “Sujos, mal-cheirosos e baderneiros”, segundo jornais da época. O fechamento da tampa do caixão da contracultura pode ser datado em janeiro de 1974, em Fazenda Nova, com Nara Leão, Chico Buarque e Milton Nascimento na programação. Na véspera, um comunicado lacônico proibiu a realização do 2º Festival de Verão de Fazenda Nova, “por motivos de força maior”.

TAGS
Summer Of Love 50 anos The Mamas and The Papas
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory