Investigação

"A Telexfree é de Deus"

Apelo frequente ao divino revela um dos artifícios usados pela empresa

Giovanni Sandes
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Publicado em 18/08/2013 às 0:03
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Apelo frequente ao divino revela um dos artifícios usados pela empresa - FOTO: Reprodução
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“Deus está na frente da Telexfree”, enfatiza o diretor e sócio da empresa, Carlos Costa. Com voz grave e um discurso articulado e emotivo, ele usa o que psicólogos e especialistas em discurso chamam de “sacralização”: o uso repetitivo e frequente de temas religiosos entrelaçados a argumentos. Em uma videoconferência online para milhares de investidores da empresa, que após atrair 1 milhão de pessoas foi paralisada pela Justiça, acusada de ser uma pirâmide financeira, Costa cita 25 vezes os nomes de Deus e Jesus em 15 minutos. A estratégia dá resultado. “Essa empresa é de Deus” virou um mantra dos milhares de investidores.

Ser religioso ou não é opção de cada um, claro. Mas o apelo a temas sagrados, misturado a uma fantasia de realização pessoal, é uma estratégia conhecida há anos como uma “via expressa” para ganhar plateias, explica Rita Fucci-Amato, pós-doutora em Gestão pela Universidade Católica de São Paulo (USP) e autora dos livros “A voz do líder: arte e comunicação nos palcos da gestão” e “Do gesto à gestão: um diálogo sobre maestros e liderança”.

A Telexfree começou no País ano passado. Ela se apresenta como empresa de telefonia VoIP (ligações pela internet) que usa uma rede de vendedores de seus serviços. A Telexfree cobrava adesões a partir de R$ 600 e pagava bônus altíssimos para quem arregimentasse mais pessoas. Para uma força-tarefa dos Ministérios Públicos, Procons, Ministérios da Fazenda e Justiça, ela é uma pirâmide, crime contra a economia popular que traz perdas de 70% para quem apostou no negócio.

A empresa operou por um ano até ser suspensa em 18 de junho, tempo para muita gente tomar empréstimos e até deixar o emprego para investir tudo na Telexfree. Paralisada, em seus comunicados ela passou a citar Deus e Jesus até por escrito, como em uma nota de 15 de julho: “Aguardem e continuem confiando, primeiro em Deus, e nessa empresa que só proporciona o bem a todos os seus divulgadores.”

Nos vídeos, Costa prega tranquilidade, ao passo em que incita seus fiéis contra o judiciário e os críticos.

“Gente, pensem bem: a empresa está fechada e vocês estão se unindo cada vez mais. Isso é o poder de Deus”, diz o diretor, na videoconferência do dia 2.

A despedida, claro, é bem emotiva: “Pessoal, fiquem com Deus. Que Deus abençoe a vida de todos vocês. Ele está no comando de tudo e aqui ninguém vai passar por momento difícil não, porque Deus vai nos ajudar, tá bom? Um abraço e até o próximo vídeo.”

ANÁLISE

Usar uma aura mística, fazer apelos emotivos e prometer a descoberta do “caminho das pedras” são poderosas ferramentas de persuasão. Basta adicionar um canal direto de comunicação rápido e acessível, como vídeos pela internet, e está pronta a perfeita máquina de doutrinação e manipulação de muita gente.

O psicólogo Glaudiston Cordeiro de Lima, diz que um dos caminhos para fazer uma pessoa se tornar “incontestável” diante de um grupo é sacralizar o indivíduo, mesclando ainda a promessa e a fantasia de realizações de desejos, como uma vida tranquila e livre de preocupações.

“Às vezes, isso é uma forma de manipulação de grupos, de massas”, comenta o psicólogo. “Associar uma promessa de prosperidade econômica a um discurso religioso é muito sedutor. É muito forte. Tanto que lá atrás, no passado, foi a promessa de lucro em vida, na terra, contra um lucro no pós-vida, que motivou um racha na poderosa Igreja Católica e possibilitou o nascimento do Protestantismo”, lembra Glaudiston. Para ele, com um discurso poderoso e um meio de comunicação adequado, um grupo pode funcionar como uma massa homogênea e fazer as pessoas até perderem a racionalidade.

“Sem dúvida, essa liderança carismática busca se envolver um uma aura mística, apontando os ‘segredos’ do ‘caminho das pedras’. Esse recurso emotivo e transcendente é justamente o sentido etimológico da palavra ‘carisma’, em sua origem grega, que diz respeito à graça ou dom divino”, diz Rita Fucci-Amato, pós-doutora em Gestão pela Universidade de São Paulo (USP).

Quando se é tomado pela emoção que acompanha um discurso regado a religião, não é fácil exercer a consciência crítica, especialmente quando não se pode dialogar com o interlocutor, como em um vídeo. Rita conta que, da mesma forma que bons exemplos, casos de grandes golpes e manobras contaram com a comunicação como uma de suas ferramentas indispensáveis.

“O grande vício e a grande estratégica da liderança para desavisados é não deixar espaço para a discordância e o pensamento próprio. Uma liderança pode ser ‘para os palcos’ de diversas formas. O conteúdo é o grande diferencial, mas, quanto à forma, qualquer discurso eficiente tem que se preocupar com quatro fatores: ser relevante para aquela plateia, expressar algo de que o produtor deste discurso tenha alguma certeza, dizer o necessário e ser ordenado e claro”, explica Rita.

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