À sombra do rebaixamento da nota de crédito do Brasil, anunciada esta semana pela agência de risco Moody’s, os investimentos se tornam ainda mais desafiadores para o cidadão comum, afinal a instabilidade causada por essa situação aumenta a inconstância de segmentos clássicos, como a Bolsa de Valores. Entre as dúvidas, uma se destaca: como esse contexto afeta os títulos da dívida pública, que se popularizaram através do Tesouro Direto? Especialistas afirmam que a situação ainda precisa piorar muito antes de ameaçar esse tipo de aplicação.
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O receio vem da natureza dos papéis negociados no Tesouro Direto, que são títulos do governo federal (veja quadro abaixo). Criado em 2002, o Tesouro Direto é um canal para promover a compra de títulos públicos por pessoas físicas. Atualmente, é possível investir a partir de R$ 30. Os papéis variam de acordo com o vencimento e taxas de retorno, atreladas à taxa de juros (Selic) e à inflação oficial (IPCA): quem mantém o título até o prazo determinado, consegue rendimento melhor. Esses ganhos são tributados através do Imposto de Renda, com alíquotas decrescentes, variando entre 22,5% e 15%.
São condições que fizeram o Tesouro Direto cair nas graças dos analistas de finanças pessoais, devido à facilidade do acesso, à boa rentabilidade – principalmente em um cenário de alta de juros – e à segurança do título. Tanto que a orientação atual ainda é evitar a poupança, mesmo ela sendo isenta de IR, para investir via Tesouro Direto. Não é à toa que essa plataforma, embora ainda seja uma parte muito pequena da emissão total de títulos, registrou alta de 190% no volume movimentado em 2015, chegando a R$ 14,4 bilhões.
AMEAÇA
Apesar dos resultados favoráveis, qualquer coisa ligada ao governo federal tem gerado mais desconfiança ultimamente, sobretudo com notícias como a Moody’s e outras duas agências colocando o Brasil como “junk” (lixo). Mas especialistas garantem: o País tem que quebrar de verdade – incluindo todas as instituições financeiras privadas – antes de haver um calote geral nos títulos públicos. Um dos motivos é que o pagamento deles é feito em real, a moeda que, em cenários mais extremos, o País pode até imprimir mais do que deveria para cobrir a dívida.
Contudo, os títulos públicos não ficam imunes às turbulências da economia. Um impacto que já vem acontecendo há algum tempo é o causado pela saída de investidores, que vão tirando seus recursos para mercados mais estáveis ou apostando em dólar. Isso aumenta a oferta de títulos, reduzindo seu valor de mercado. “Esse rebaixamento da nota, como é o terceiro, já era esperado e o efeito sobre o Tesouro Direto já vinha ocorrendo”, comenta Fábio Silva, membro do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Professor de orçamento e contabilidade pública da Faculdade dos Guararapes, Humberto Cruz acrescenta que, para o investidor nacional, esses papéis virariam um problema se a emissão de títulos se tornasse “excessiva” e a recessão continuasse por tempo indeterminado. “Mas essa crise tende a melhorar com as mudanças no cenário político”, analisa.
OURO, FRANCO E DÓLAR
Para o professor da FG Humberto Cruz, deve-se manter a regra da diversificação. “É a melhor maneira de se proteger das instabilidades”, aconselha. Ele lembra que dentro do próprio Tesouro Direto é possível fazer isso, já que há títulos pré e pós-fixados, com diversas opções de vencimento. Nesse caso, a orientação de Cruz é se manter em prazos menores, de até três anos.
Gestor de fundos da Multinvest Capital, Thiago Onofre lembra outros investimentos clássicos que podem dar mais segurança à carteira: ouro e dólar. “O brasileiro, que trabalha e recebe em reais, está obviamente muito exposto à economia nacional, portanto é sábio manter uma reserva em moedas estrangeiras. Já o ouro pode ser encarado como uma espécie de seguro em épocas de crise”, esclarece.
No caso das moedas, ele orienta que sejam compradas apenas em casas de câmbio e bancos com credibilidade. “Na minha ótica, o franco suíço é uma moeda séria e estável. A libra inglesa de certa forma também. Moedas de países com política fiscal e monetária sólidas e ouro são preferíveis neste momento de instabilidade no Brasil.” Todavia, considerando os debates em torno de circulação de moeda em nível mundial, ele pontua que não recomenda compra no médio ou longo prazo, “salvo se houver algum gasto previsto nas mesmas”.
Embora não seja popular no Brasil como é em países como Turquia, China e Índia, o ouro tem vantagens atraentes, como estabilidade na valorização. “É um ativo imune à inflação. Quem manteve ouro da década de 80 até agora, por exemplo, não teve dores de cabeça com hiperinflação, confisco de poupança”, destaca. Para ele, o ideal é manter cerca de 10% do capital disponível em reservas do metal precioso. Isso pode ser feito diretamente, comprando ouro em leilões ou vendedores “de rua” ou através de corretoras, no ouro como ativo financeiro, com valores que podem iniciar em R$ 4 mil. Thiago alerta que esse investimento pode apresentar problemas de liquidez, caso a pessoa precise urgentemente do dinheiro aplicado. “E há o risco de mercado, que é a flutuação. Da mesma forma que outras moedas, a valorização média do ouro também depende da oferta e demanda”, orienta.