Apesar de tratar de uma legislação recheada de sutilezas jurídicas e muito economês, a discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional sobre o limite de gastos para governo federal, a chamada PEC do Teto de Gastos, tem de tudo, menos tédio. Nas redes sociais, a proposta é demonizada. Nos embates no Congresso, virou instrumento de polarização do ainda tenso cenário de divergências partidárias. Para muitos especialistas, deve ser aprovada como está, mas alguns põem em dúvida sua utilidade.
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O jornal O Estado de S. Paulo ouviu economistas que passaram as últimas semanas destrinchando a mecânica da PEC e contrapôs as dúvidas aos argumentos do governo, que joga todas as suas fichas na aprovação do projeto.
O texto já foi aprovado em primeira votação na Câmara, com uma larga vantagem: 366 votos a favor e 111 contra. Volta ao plenário para votação em segundo turno na terça-feira. Inicialmente, seria na segunda, mas o governo teve medo de que não houvesse quórum. Há um acordo prévio presumindo a que a PEC será votada em primeiro turno no Senado em 29 de novembro e, em segundo turno, em 13 de dezembro.
Fora do Congresso, o debate sobre as mudanças é intenso. Apesar de a dinâmica ser simples - limitar o gasto de um ano pela inflação do ano anterior -, muitas são as perguntas e dúvidas em relação ao seu impacto e eficiência. Nem entre os seus defensores a PEC é tema consensual.
Como a regra vai vigorar por 10 a 20 anos, há quem peça cautela e serenidade na discussão para que se possa aperfeiçoar o texto. Mas existem os que defendem a rápida aprovação do já posto em trâmite. "O texto é perfeito como está: é uma maneira engenhosa de obrigar o País a fazer as reformas que precisa", diz Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas - Ibre/FGV.
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, segue na mesma linha. Argumenta que, em vez de perder tempo com a discussão de "sutilezas", o importante é aprovar a PEC e partir para o próximo capítulo do ajuste fiscal. "Precisamos seguir logo a reforma da Previdência, cuja conta é explosiva."
Há quase duas décadas especialistas alertam, em vão, que a Previdência é uma bomba-relógio. Seu gasto vem crescendo 4% acima da inflação e comprometendo um volume sempre maior do Orçamento. Com o teto, se esse avanço não for controlado, vai consumir os recursos de outras áreas.
Segundo avaliação feita pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara, sem a reforma, nos próximos 10 anos, o gasto com a Previdência vai praticamente dobrar - serão mais de R$ 360 bilhões acima do teto. "Se não fizerem a reforma da Previdência, apenas saúde e educação serão preservados. Os demais setores vão ter uma redução brutal de recursos e vai ser uma briga ferrenha pela pequena quantidade de receita orçamentária que vai sobrar", diz Leonardo Rolim, consultor de orçamento da Câmara e ex-secretário de Previdência.
De acordo com José Luis Oreiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a população brasileira cresce a uma taxa de 0,8% ao ano. "Fazendo uma conta bem grosseira, significa que, em 10 anos, seriam 20 milhões a mais de brasileiros. Por mais que se corrijam as ineficiências na gestão da saúde e da educação, não é plausível acreditar que, fazendo um congelamento dos gastos dessas áreas, em termos reais, será possível acompanhar o aumento da demanda, principalmente em relação à Saúde", disse. "Os gastos per capita vão cair. Eu defendo a seguinte regra: ajustar os gastos primários dessas áreas pela inflação do ano anterior mais o crescimento da população - para, pelo menos, manter os gastos em termos per capita, ou seja, por habitante, constantes ao longo do tempo."
Na avaliação de Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, é importante frisar que o investimento público é uma variável importante para promover o crescimento. "Mas é a primeira rubrica que se corta quando você precisa conseguir recursos adicionais. O investimento já vem sofrendo cortes desde 2014. Está num nível muito baixo e vai entrar no teto previsto na PEC já menor do que era. Vamos lembrar que a PEC não será alterada nos 10 primeiros anos", comentou. "Então, serão dez anos sem a possibilidade de fazer uma política de ampliação de investimentos, ainda que ocorra uma recuperação da economia mais rápida e se gere folga na receita adicional para isso. A minha preocupação é essa: afinal, como está, parece que a PEC do Teto prejudica o investimento."
O especialista em contas públicas e assessor econômico no Senado Federal Felipe Salto destacou que a PEC determina que se aplique a inflação do ano anterior para reajustar os gastos do ano seguinte. "Ao meu ver, há uma desbalanceamento aí. Isso gera um esforço muito pequeno no curto prazo. A inflação do ano que vem tende a rodar em torno de 4,5%, mas vai se usar como indexador a inflação deste ano, 7,2%. Você está autorizando aumento real, acima da inflação. Lá na frente, porém, a aplicação dessa regra, sem nenhuma mudança, vai gerar enormes superávits (economia de recursos), perto de 6% do PIB (Produto Interno Bruto)", avaliou. "Não seria melhor que, a partir de uma determinada taxa de crescimento, o indexador fosse alterado: a meta de inflação, mais o crescimento do PIB, por exemplo?"
Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics em Washington, diz entender que, neste momento, o foco seja corrigir o "enorme desajuste do resultado primário (a grosso modo, como o governo gasta o que arrecada)". "Mas não entendo por que uma PEC que traz mudanças para 20 anos - espaço de tempo em que a inflação e os juros, se pretende, vão cair - não prevê em nenhum momento que esse instrumento evolua para conter a despesa nominal como um todo (o resultado nominal aborda o primário e também o resultado financeiro do governo, o que inclui despesas com os juros da dívida). Precisa ser assim se a gente almeja ser prudente. A maioria dos países que tem regras fiscais usa despesa nominal como referência. A zona do euro, por exemplo, tem teto de despesa nominal."
Para Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o desenho geral da PEC é "muito bem elaborado". "Houve alguma discussão em torno da redução do prazo de 20 anos. Mas o prazo precisa mesmo ser longo porque a PEC visa a estabilizar a dívida e entende-se que isso vai demorar para acontecer. A dívida atualmente está em 70% do PIB (Produto Interno Bruto). A previsão é que, com a PEC, estabilize na próxima década em 90% e comece a cair. Sem PEC, vai passar de 100%", salientou. "Na média, entre os países emergentes, a dívida está em 40%. Houve uma proposta para que, se ela caísse a 50%, a PEC deixaria de valer. Se a economia crescer antes e mais do que esperado, os juros caírem e a dívida ceder indo a 50%, seria razoável prever a possibilidade de revisão da PEC."