O que explica um governo conseguir resultados positivos persistentes na economia e ter apenas 3% de aprovação popular? A realidade da conjuntura do Brasil é, hoje, um cenário quase inédito na história recente, quando escândalos políticos ganharam dimensão a partir de insucessos econômicos e vice-versa. O fenômeno que muitos especialistas estão chamando de “descolamento” desses dois cenários mostra que o fundo do poço pode ter ficado para trás no que se refere ao crescimento do País, mas isso não implica boas novas vindas dos representantes que estão no comando. O desafio é saber até quando essas engrenagens continuarão girando sem comprometer o funcionamento uma da outra.
Os dados divulgados na última quinta-feira pelo Ibope, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), revelam que 77% da população brasileira consideram a gestão de Michel Temer (PMDB) ruim ou péssima, confirmando o posto de popularidade mais baixa entre todos os presidentes brasileiros desde o fim da Ditadura Militar. O levantamento mostra ainda que, para 59% dos entrevistados, a atual gestão é pior que a da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cujo governo foi comprometido justamente pela derrocada econômica.
“É realmente um momento um pouco fora do comum. Geralmente há uma ligação forte entre a economia e a política, mas, desde que o novo presidente assumiu (Temer), apesar da baixíssima popularidade, a equipe econômica tem conseguido manter a confiança do mercado e é isso que tem dado resultado”, analisa o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ecio Costa. Ele se refere a nomes como Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central, por exemplo.
Velhos conhecidos do mercado, eles são alguns dos elementos centrais na retomada econômica do País. É a confiança no trabalho deles que faz empresas, bancos e investidores estrangeiros não se contaminarem pelas sequências de denúncias contra Temer e manterem suas projeções, expectativas e investimentos. “(Além da equipe econômica) Outro fator importante foi o fim da recessão. Ainda não há um crescimento econômico consolidado, mas o País já chegou ao fundo do poço e está saindo dele. O sentimento é de que a situação não piora mais”, afirma o professor de Ciências Políticas da PUC-Rio Ricardo Ismael.
Mesmo com o reconhecimento geral de uma realidade atípica, a tese do descolamento não é unânime. Para o professor do Departamento de Economia da PUC-SP Antônio Corrêa de Lacerda, é justamente a crise política que está impedindo resultados econômicos mais expressivos. “Um dos grandes problemas que temos atualmente é a incerteza. O investimento corrente da nossa economia ainda está 30% abaixo do que era no início da crise. Sem dúvida, o cenário político ainda afeta a capacidade de reação da nossa economia”.
“É verdade que sem a crise política esse crescimento seria mais intenso. Mas há sim um descolamento da política. A economia volta a crescer, com alguma recuperação da indústria, recordes do agronegócio e avanço do emprego ainda que seja informal”, defende o professor do MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin.
É difícil dizer em quanto seria possível melhorar os indicadores se as águas da política estivessem mais calmas. O fato é que o distanciamento entre esses dois cenários que existe hoje – total ou não – está permitindo que o País não pare. Antes de Temer, a fragilidade política e o tropeço econômico retroalimentaram a derrocada do governo Dilma. No início da década de 1990, esses dois lados do poder também encerraram antecipadamente a gestão de Fernando Collor – cujo pano de fundo era de escândalos de proporções muito inferiores aos que são vistos hoje.