Em um momento em que os defensores do ajuste fiscal e os que lutam por menos desigualdade parecem adotar posições inconciliáveis, uma voz lúcida surge para mostrar que pensamentos econômicos diferentes podem, sim, trabalhar juntos para um país mais eficiente e socialmente mais justo. Em visita ao Recife para uma palestra promovida pela Diretoria de Pesquisas Acadêmicas da Fundaj, o economista Ricardo Paes de Barros, um dos idealizadores do Bolsa Família, conversou com a repórter Luiza Freitas, do Jornal do Commercio.
Formado em engenharia pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), mestre em estatística e doutor em economia pela Universidade de Chicago e pós-doutor em economia por Yale, PB, como é conhecido pelos mais próximos, recebeu o rótulo de “liberal dos pobres”. O apelido – sobre o qual ele diz, meio sem graça, não ter uma opinião formada – se deve à maneira como utilizou a visão tipicamente americana da economia para estudar a pobreza no Brasil. Além da ajudar na elaboração do programa de distribuição de renda, uma das bandeiras do PT, o atual economista-chefe da Fundação Ayrton Senna contribuiu na formulação do documento Uma Ponte Para o Futuro, conjunto de propostas do PMDB que deu suporte à posse de Michel Temer após o impeachment de Dilma Rousseff.
JORNAL DO COMMERCIO - Logo que Michel Temer assumiu a Presidência, no ano passado, o senhor defendeu a importância das reformas. Uma delas é a reforma da Previdência. O que o senhor acha desse modelo que está sendo proposto?
RICARDO PAES DE BARROS - Eu não conheço os detalhes deste modelo específico que o governo apresentou. Mas é claro que a gente não tem que fazer um ajuste na Previdência. A gente tem que fazer vários ajustes na Previdência porque a população brasileira está envelhecendo de uma maneira muito rápida. O Brasil está envelhecendo numa velocidade seis vezes maior que a França envelheceu. Então não tem uma reforma que vá resolver todos os nossos problemas para sempre. É preciso fazer uma série de reformas consecutivas nessa direção e o mais importante é mexer na aposentadoria do setor público, que é mais destoante de todas e a mais distante de uma realidade de justiça. É isso que a gente tem que fazer com maior profundidade.
JC – O senhor chegou a analisar com mais profundidade a reforma trabalhista aprovada? Ela está de acordo com o que é necessário para o País?
PAES DE BARROS – É outro caso onde a gente tem milhões de regras que dificultam a contratação, que tornam toda contratação insegura do ponto de vista jurídico e acabam trazendo, consequentemente, pouco benefício para o trabalhador. A parte que eu tenho trabalhado mais é a dos benefícios que o trabalhador recebe no Brasil, como seguro desemprego, abono salarial, salário família, etc. O Brasil tem uma série de programas que visam melhorar a renda do trabalhador mais pobre, um volume de recursos fantásticos. Se você somar todas essas transferências de renda para o trabalhador mais pobre do Brasil é quase a metade da massa salarial da metade mais pobre. Isso quer dizer que com o que a gente já transfere para esses trabalhadores daria para a metade mais pobre receber, no lugar de 12 salários por ano, receber 18 salários por ano. Ou seja, é muito dinheiro. Tem várias maneiras de você organizar esses benefícios de uma maneira mais bem estruturada do que hoje.
JC – Quais deveriam ser os próximos passos da política econômica e de distribuição de renda?
PAES DE BARROS - Precisamos ajustar as contas públicas ou não vamos a lugar nenhum. Mas além disso, o que tenho falado é que não teremos progresso social se não tivermos aumento de salário dos trabalhadores. E, no fundo no fundo, não vamos ter aumento de salário no longo prazo se não houver aumento de produtividade. Então a melhor política social no Brasil hoje é que aumente a produtividade dos postos de trabalho ocupados pelos trabalhadores mais pobres. Seja por aumento do conhecimento, da competência dos trabalhadores, seja através da melhoria dos seus postos de trabalho, sem o aumento da produtividade não será possível aumentar o salário de maneira sustentável. A melhor política social brasileira para o momento é a melhoria da produtividade.
JC – E isso passa pela educação?
PAES DE BARROS – Isso passa bastante pela educação. Uma educação com significado, adequada para quem vai trabalhar nos mais diferentes segmentos da economia. Mas você precisa não só de mais educação, mas também de um ambiente de negócios melhor. Porque se isso não ocorrer, a melhoria das condições dos postos de trabalho não vai acontecer e aí você não vai ter o aumento da produtividade. Então é preciso melhorar a produtividade intrínseca do trabalhador, como é preciso melhorar a qualidade daquele posto de trabalho que emprega aquele trabalhador.
JC – Estamos conseguindo alguns resultados positivos na economia. Mas, ao mesmo tempo, vivemos uma crise política. Como o senhor avalia esta situação?
PAES DE BARROS – O Brasil precisa de grandes reformas. Precisamos repensar toda a nossa política previdenciária, tributária, trabalhista, social, educacional etc. O Brasil já tem um volume muito grande de recursos alocados nessas políticas públicas e precisa repensar todas elas. Acho que a gente, nos últimos dois anos, tem uma discussão mais aberta e uma vontade mais concreta de mudar essas coisas e a gente precisa mudar isso. Acho que isso está dando resultados. Por outro lado, a gente precisa de uma política fiscal responsável para que a gente possa conduzir políticas públicas sustentáveis. A gente precisa gastar o que a gente tem. O governo precisa mostrar interesse em aperfeiçoar suas políticas e mudar o que precisa. Evidentemente que num ambiente democrático e político, vamos estar sujeitos a choques o tempo todo. Então acreditar que não vão ter flutuações políticas não é muito compatível com o ambiente democrático. A gente sobrevive à instabilidade política. Não ao desequilíbrio fiscal ou a políticas públicas onde não se discute a racionalidade.
JC – O cenário político para 2018 está se desenhando com polos antagônicos, o que não garante a continuidade das reformas, já que elas são impopulares. O governo que vier vai querer abraçar medidas assim?
PAES DE BARROS – O que eu posso dizer é que o Brasil e qualquer outra sociedade não vai andar para a frente quando a responsabilidade fiscal for considerado algo impopular. Acho que o Brasil sofreu com a falta de responsabilidade fiscal e talvez as próximas eleições sejam o caso onde a responsabilidade fiscal vai se tornar algo popular. Nenhuma empresa vai sobreviver neste século pela tradição. Vai sobreviver pela capacidade de adaptação e isso vale também para qualquer sociedade. É preciso estar aberto a se auto-avaliar e mudar suas regras continuamente, usando a tradição para definir seus valores, não suas tomadas de decisão. O Brasil só vai ter sucesso enquanto sociedade quando a responsabilidade fiscal e a busca por mudanças estruturais se tornarem populares, não impopulares.
JC – O mundo todo está vivendo um momento de incerteza em vários sentidos – sociais, políticos e, no caso do Brasil, também econômicos. Enquanto formulador de um programa mundialmente reconhecido como o Bolsa Família e economista especializado no estudo da desigualdade e educação, o senhor está no grupo dos desconfiados ou dos otimistas quanto a esse futuro?
PAES DE BARROS – Talvez certos segmentos estejam percebendo que o mundo é um lugar incerto. Nunca ninguém disse que o mundo seria um lugar seguro. Existe incerteza, as coisas mudam, a tecnologia avança e alguns ganham e outros perdem, alguns países vão crescer mais ou menos...Sou otimista e acho que a gente tem que aprender a ser mais resiliente. Ninguém disse que o mundo é certo. A gente tem que aprender a conviver com a incerteza e ver nela uma oportunidade para melhorar.