Enquanto a votação da reforma da Previdência é cada vez mais incerta, muitos brasileiros se anteciparam a uma possível aprovação das mudanças para garantir o futuro por conta própria. Prova disso é que o total de ativos administrados por fundos privados de previdência chegou a R$ 747,8 bilhões em 2017 (até novembro), segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). O número é 16,88% maior que os R$ 639,8 bilhões de janeiro a novembro de 2016, mesmo em um cenário econômico que ainda não devolveu muita folga ao orçamento das famílias.
Leia Também
Por temor ou precaução, os investimentos de longo prazo têm ganho cada vez mais adeptos na última década, um sinal de que a população está mais atenta à importância do planejamento financeiro de toda a vida. Perto de concluir a segunda graduação, em engenharia civil, a arquiteta Cinthia Beker, 26 anos, passou a fazer parte desse grupo neste mês. “Toda a minha família tem esse costume. Meus pais sempre tiveram previdência privada e minhas irmãs já fazem para os filhos desde que eles nasceram. Mas, com a correria do dia a dia, sempre adiava essa decisão. Quando a discussão sobre a reforma ficou mais intensa, fiquei com receio e fui atrás”, conta. Cinthia pesquisou as vantagens em quatro bancos antes de fazer a opção pelo fundo e decidiu começar contribuindo com valores pequenos. “Quero aumentar os depósitos à medida que conseguir salários melhores”, explica.
Superintendente comercial da Brasil Prev, empresa de previdência privada ligada ao Banco do Brasil, Mauro Guadagnoli acredita que a discussão sobre a reforma ajudou a chamar a atenção sobre a necessidade de planejamento financeiro, mas não credita apenas ao momento político o aumento da demanda. “A partir da estabilização da economia, há mais de uma década, as pessoas foram tomando para si a responsabilidade de poupar, não deixando isso apenas para terceiros, no caso, o Estado”, opina.
TIPOS DE INVESTIMENTO
Os tipos de previdência privada mais comuns são o Plano Gerador de Benefícios Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) (confira a diferença entre ambos na arte abaixo). Nos dois modelos são cobradas taxas de administração (arrecadadas anualmente sobre o valor total) e de carregamento (incidindo a cada movimentação, antes mesmo da aplicação). Elas variam de acordo com a instituição responsável pelo plano, sendo um dos principais alvos de comparação na hora da escolha.
Mas tão importante quanto essas cobranças é decidir, na hora de contratar o plano, qual será o regime de tributação: progressivo ou regressivo (confira as diferenças na arte abaixo). É isso que determina quanto o investidor irá perder caso decida retirar o montante antes do tempo previsto. No primeiro caso, a cobrança pode ser isenta se o valor for retirado antes de completar dois anos de aplicação, mas pode chegar a 27,5% do montante se passar dos dez anos. Ou seja, ela incentiva a poupança de curto prazo. Já a tabela regressiva vai de 35% a 10% ao longo de uma década, justamente para incentivar o planejamento de longo prazo.
Além dessas modalidades de plano vendidos por bancos e seguradoras (também chamada de previdência aberta), há os planos fechados, também conhecidos como fundos de pensão, que só são comercializados entre funcionários de uma determinada empresa – pública ou privada. Segundo a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social que regula esses fundos, o Plano Itaú Unibanco é o maior entre os privados, concentrando 8,9% dos ativos totais do segmento, equivalente a R$ 9,9 bilhões. Entre as estatais, a campeã é a Petros, da Petrobras, com R$ 17 bilhões e 9,16% dos ativos de todos os fundos de empresas públicas. Antes de aderir a esse modelo, no entanto, o funcionário deve ter atenção às regras de resgate em caso de saída da empresa.
JUROS MUDAM CENÁRIO
Se poupar não se refere exclusivamente ao ato de aplicar dinheiro na poupança, investimentos de longo prazo também não precisam se restringir à previdência privada. Apesar do aumento da demanda em meio ao debate da reforma mostra o comportamento ainda conservador dos brasileiros quando o assunto é investimento. Parte em consequência da instabilidade do País, as aplicações de renda fixa com retorno baseado em taxas de juros sempre pareciam apresentar o melhor resultado ao se analisar risco e rentabilidade. Mas política de redução da Selic, no entanto, passou a forçar tanto os pequenos investidores quanto os fundos de investimento a considerar alternativas mais arrojadas.
No ano passado, por exemplo, a Brasil Prev reformulou toda a cartela de planos de previdência para se adequar à nova realidade do mercado brasileiro. “Criamos novos fundos de renda fixa, com gestão mais sofisticada e carteira de resgate mais longa. Também criamos a opção de fundos multimercado, com mais participação de renda variável para garantir uma rentabilidade razoável”, detalha o superintendente Comercial da empresa, Mauro Guadagnoli. A legislação brasileira permite que os fundos de investimento apliquem uma parte dos seus recursos em ações para ampliar os ganhos, mas não o suficiente para colocar em risco o retorno dos investidores.
Guadagnoli destaca ainda que o País saiu de uma taxa Selic de 14,25% ao ano em agosto de 2016 para 6,75% ao ano no início deste mês. Paralelamente ao custo do dinheiro, a inflação também sofreu uma queda rápida, saindo dos dois dígitos (cerca de 10%) ao ano em 2015, e encerrando 2017 em 2,95% ao ano.
“Tudo indica que o cenário no médio e longo prazos deve permanecer com juros baixos. E isso será reforçado se o Brasil conseguir entrar em uma trajetória de estabilidade, já que as nossas taxas de juros sempre foram muito altas ao serem comparadas com o restante do mundo”, avalia o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcelo Eduardo. Apesar do cenário novo para os fundos de investimento, ele não considera que a mudança será negativa para quem aplica. “Enquanto os planos tiverem que inovar para manter a rentabilidade, eles também se tornarão mais competitivos. Analisando hoje, acredito que será uma briga onde cada um vai querer mostrar que é melhor”, diz.
À medida em que a economia dá sinais de melhora, o investidor comum também volta a se encorajar para fazer aplicações mais arriscadas e, consequentemente, com retorno mais alto. “As perspectivas de melhora começam a atrair clientes dispostos a investir em ações. Isso vinha acontecendo mais forte até 2010, mas a crise (mundial e nacional) acabaram gerando mais receio”, afirma o diretor de investimentos da Finacap Consultoria Financeira e Mercados de Capitais, Luiz Fernando Araújo. A aposta no mercado mobiliário é, aliás, bastante comum como investimento de longo prazo em países de economia mais estável e educação financeira mais disseminada.