O sistema de impostos do País é um “manicômio tributário”, define o empresário Guilherme Ferreira Costa, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Recife e também da Associação Nacional de Revendedores de Material de Construção (Anamaco). Na empresa da família dele, a Ferreira Costa, trabalham cerca de 3,5 mil pessoas. Desse total, 40 funcionários estão lá especificamente para calcular o quanto a companhia vai recolher aos cofres públicos. “Há uma falta de preocupação com a produtividade. Fazem leis sem se preocupar com as consequências. O brasileiro passa uma parte do tempo enrolado com a burocracia. A legislação (tributária) mais confusa é a dos Estados, porque são 27, e cada um tem as suas leis e interpretações diversas”, critica.
Na mesma análise, especialistas consultados pelo Jornal do Commercio acreditam que a reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional, poderia mudar esse cenário. O motivo é simples: seriam menos impostos a serem cobrados. Com isso, haveria consequências benéficas ao consumidor: barateamento do preço final de produtos e serviços.
Eles reforçam que a revisão das normas é uma das condições para o País voltar a crescer. Atualmente, o Brasil está entre os dez países com mais horas trabalhadas por ano para recolher impostos. São 1.958 horas, segundo o estudo Doing Business (Fazendo Negócios, em português) do Banco Mundial, divulgado em outubro do ano passado. A média nos países da América Latina e Caribe é de 332 horas, enquanto são necessárias 160,7 horas nas nações desenvolvidas que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Isso acontece porque o nosso País tem uma das legislações mais complexas do mundo com relação ao recolhimento de tributos. É por isso que já é comum empresas terem grandes equipes para cuidar apenas de impostos.
Uma das complicações do sistema tributário brasileiro é a legislação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo recolhido nos Estados. Como o nome diz, o ICMS incide principalmente sobre mercadorias, e seu recolhimento acontece da seguinte forma: uma parte pertence à unidade federativa na qual o bem é produzido; e a outra, ao Estado em que o produto (ou serviço) é consumido.
Para entender como isso ocorre, segue um caso concreto. A empresa da família de Guilherme vende material de construção em quatro Estados do Nordeste, incluindo Pernambuco, e compra esses produtos também em vários Estados. “É comum um Estado (onde o produto é fabricado) criar uma lei do ICMS para um determinado produto. O Estado que vai receber o produto não aceita a legislação, e a mercadoria fica retida nos postos de fiscalização. A empresa, então, acaba pagando multa para que ocorra a liberação”, cita o empresário.
“Até a Índia, um país complexo em termos religiosos, instituiu o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), um tributo sobre o consumo cobrado no destino (o lugar onde a mercadoria é comprada). Nos Estados Unidos, o IVA é cobrado após o preço. Aqui, o ICMS é cobrado dentro do preço”, comparou Guilherme Ferreira Costa.
Cobrar o imposto dentro do preço também é uma forma de não deixar claro ao consumidor o quanto ele está pagando de tributos. Na reforma tributária, o IVA substituiria cinco tributos: ICMS, IPI, PIS, Cofins e ISS, passando a ocorrer apenas uma cobrança.
Além de ter 27 legislações (uma para cada Estado), o ICMS possui sete alíquotas diferentes. E a complexidade desse tributo não é restrita à área de material de construção. “A legislação do ICMS é muito casuística. Tem mais exceções do que regra. Numa loja de varejo, mais de 75% dos produtos estão sujeitos às regras diferentes de tributação. Ou seja, a regra geral só atinge menos de 25% dos produtos à venda. A legislação tributária é uma torre de Babel, e ninguém mais se entende”, resume o advogado tributário e empresarial Alexandre Albuquerque, do escritório Ivo Barboza Advogados.
Nos últimos 29 anos, entraram em vigor 377.566 normas tributárias no Brasil, segundo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que contabilizou o período de 5 de outubro de 1988 – quando foi promulgada a Constituição Federal – a 5 de outubro do ano passado. Isso significou 1,9 norma por cada dia útil.
A reforma tributária também deve diminuir uma parte da cobrança dos impostos sobre o consumo, na opinião do presidente executivo do IBPT, João Eloi Olenike. “Quase 70% dos tributos incidem sobre o consumo. Isso é injusto porque todos pagam igual. E, nesse caso, os pobres, proporcionalmente, pagam mais. No Brasil, é preciso transferir uma parte da cobrança dos impostos para os lucros, ganhos, rendimentos e patrimônio”, defende Olenike.
Uma das formas de medir o quanto uma sociedade paga em impostos é relacionando a soma da arrecadação federal, estadual e municipal com o Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas no País. O peso tributário do Brasil ficou em 32,30% do PIB em 2017, de acordo com o Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado.
No entanto, a carga tributária sobre a renda, lucro e ganho de capital é de 5,9% no País, de acordo com cálculo feito pela professora do Insper Direito Ana Carolina Monguilod, com base nos dados da OCDE em 2017. Isso quer dizer que os ricos pagam menos impostos no Brasil.
Vários países desenvolvidos apresentam uma carga tributária maior sobre esses itens (renda, lucro e ganho de capital), como é o caso da Dinamarca (29,2%), Nova Zelândia (18,1%), Islândia (17,5%), Bélgica (16,0%) e Finlândia (15,5%). Ainda no Brasil, a carga tributária sobre os bens e serviços chega a 15,8%. “O empresário está certo em chamar de manicômio tributário. É um sistema distorcido que afeta os negócios de uma maneira ruim, trazendo complexidade às operações das empresas, que perdem produtividade quando deixam de ter trabalhadores na sua atividade foco para cumprir uma função acessória. É um jogo de perde e perde para todo mundo, inclusive para o administrador fiscal, que não sabe exatamente quanto vai ingressar nos cofres públicos”, diz Ana Carolina.
Segundo ela, a complexidade da legislação resulta em interpretações diferentes pelas autoridades tributárias e até pelos tribunais de Justiça.
“É urgente enfrentar as resistências e aprovar a reforma tributária para aumentar a produtividade e o País voltar a crescer. A última reforma tributária ocorreu em 1965”, atesta Ana Carolina.
Em 2003, o assunto voltou a ser discutido na Câmara dos Deputados. Dez anos depois, em 2013, o projeto de lei começou a tramitar no Congresso Nacional, mas até agora a revisão na legislação tributária não foi aprovada por falta de entendimento político.
Primeiro, há uma resistência dos Estados mais ricos e industrializados do País, incluindo São Paulo, que acreditam que vão perder arrecadação, pois o IVA vai ser recolhido apenas no destino, onde ocorre a compra do bem ou serviço.
Essas resistências também ocorrem porque o ICMS é a principal moeda que alimenta a guerra fiscal entre os Estados, que oferecem descontos no tributo como forma de atrair empreendimentos.
Na última segunda-feira (20), o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disse que não vê a “menor possibilidade” de que uma reforma tributária ampla seja votada e aprovada ainda em 2018.
De acordo com o ministro, há uma série de problemas fiscais que precisam ser resolvidos antes de se levar adiante a reforma. “O próximo presidente terá que encarar essas reformas: a da Previdência, a política e a tributária. Senão o País não vai se desenvolver. Isso tem que estar na plataforma política dos candidatos”, defende o presidente executivo do IBPT, João Eloi Olenike. “A implantação dessas reformas também vai trazer credibilidade externa e interna ao País”, aponta.