Não foi dessa vez que a crise do petróleo escalou, mas as oscilações no preço da commodity tem o poder de afetar, até mesmo, o Natal dos brasileiros, tanto no bolso como no emprego. Para o professor de logística e administração da UNIFBV/Wyden Paulo Alencar, a decisão da Petrobras de segurar os preços no mercado interno teria prazo de validade e, caso o preço do combustível suba no mercado interno, o custo seria repassado para os produtos. Para o economista Rafael Ramos, da Fecomércio-PE, o risco maior, no entanto, estaria no já combalido mercado de trabalho. Como a demanda está reprimida, diz, o comércio não teria como repassar os custos ao consumidor e compensaria as perdas fechando vagas.
“Cerca de 67% das mercadorias movimentadas no Brasil circulam através de rodovias. O País é muito dependente do caminhão que, por sua vez, depende do diesel cujo preço está atrelado ao mercado internacional”, diz o professor Alencar. Ele afirma que o petróleo é o insumo logístico do planeta e influencia diretamente o planejamento econômico global e acredita que um agravamento da crise do petróleo no mundo árabe vai trazer reflexos para o bolso do brasileiro.
“Por mais que a Petrobras diga que vai segurar o preço dos combustíveis a pergunta é: até quando? Ela pratica reajustes atrelados ao mercado internacional e a tendência é que a variação do valor do barril de petróleo seja repassado ao consumidor final, na bomba do posto”.
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Paulo Alencar lembrou que a Petrobras tem acompanhado os ajustes no valor da commodity e que, na semana passada, o barril do petróleo no mercado internacional estava a menos de US$ 60, passou dos US$ 70 neste final de semana, e pode chegar aos US$ 80. “Se a Petrobras não repassar estes aumentos, ela vai incorporar custos. Lembrando que a empresa vem num processo de recuperação financeira e costuma reagir rapidamente quando o preço varia para cima, e menos diretamente quando há variação para baixo”.
O professor de logística diz que as transportadoras não costumam absorver custos com o combustível, que é o insumo mais caro do setor. Ele também não acredita que a indústria passe a produzir menos por conta de uma possível logística mais cara. “Estamos em pleno segundo semestre, momento em que as fábricas produzem para alimentar os estoques das compras de fim de ano. Se o diesel subir muito, essas mercadorias chegarão mais caras do que o previsto nas lojas.”
Para o economista Rafael Ramos, o custo de distribuição dos produtos e também a logística dos insumos para a indústria pode realmente acabar prejudicando a cadeia do comércio como um todo, mas ele não acredita em mercadorias mais caras. “Não estamos em um ciclo positivo, no qual o comércio consegue repassar custos e aumentar preços sem prejudicar as vendas.”
Para Ramos, o mais provável é, caso o cenário da crise do petróleo árabe se mantenha, que parte desse repasse seja absorvido pelos comerciantes, já que a demanda está fraca em vários setores. A consequência nefasta, diz Ramos, é o comércio ter que recorrer à redução de custos e, nesse caso, com reflexos no fechamento de vagas e consequente aumento do desemprego no comércio.
MERCADORIAS
Os negócios envolvendo petróleo estão muito além da variação dos preços da gasolina ou diesel nas bombas dos postos de combustíveis. Também é mais do que os custos extras do comércio e da indústria com a alta do frete para escoamento das mercadorias.
Para o geólogo especialista em petróleo, Antonio Barbosa, o uso do óleo para combustível, inclusive, está com os dias contados. “Hoje o petróleo está em produtos farmacêuticos, no plástico das garrafas PET, maquiagem, lubrificantes, e muito mais. E esse uso do petróleo e seus derivados deve ser a principal força desse setor nos próximos 30 anos, já que hoje se buscam alternativas para os combustíveis renováveis e isso deverá reduzir a procura pelo petróleo como combustível”, analisou Antonio Barbosa.
Ainda segundo o geólogo, existem petróleos de melhor e pior qualidade. Os mais puros são usados, em maior parte, para elaboração de combustíveis, os de qualidade inferior são matéria-prima para derivados e acabam alimentando a indústria de sintéticos, como gases e a própria resina base usada na produção de garrafas PET. “O óleo da Arábia é o de melhor qualidade, por isso, logo se sente algum impacto nos combustíveis”, pontuou.
Para Antonio Barbosa, a partir do momento em que o maior consumidor de petróleo do mundo, os EUA, já consegue produzir a ponto de exportar matérias-primas, como gás e gasolina, o mercado não deve sofrer como teria acontecido em época passadas. “Graças às novas tecnologias, os americanos conseguem produzir em jazidas que antes não eram convencionais. Haverá algum reflexo em alguns meses, quando o comprador do petróleo que adquiriu o óleo durante o pico da segunda-feira (16) precisar repassar algum valor, mas isso é a médio prazo. Se tivéssemos enfrentado isso há 20 anos, seria caótico”, ressaltou.
Em Pernambuco, o empresário Marcelo Guerra, presidente da Frompet – empresa localizada em Suape e especializada na fabricação de pré-formas PET, acredita que o consumidor não deve sentir qualquer alteração nos preços dos produtos derivados do petróleo. “É claro que uma alta no valor do petróleo afeta toda a cadeia, mas a Petrobras se posicionou e garantiu que não irá repassar esse aumento. Se isso se confirmar, o mercado deve se estabilizar e nós não teremos nada a repassar de aumento”, afirmou Guerra.
Ainda para o presidente da Frompet, caso a Petrobras não consiga sustentar os preços, os valores serão repassados para as indústrias e, por consequência, para o consumidor. Esse efeito cascata, no entanto, só seria sentido a médio prazo.
Entre os clientes da Frompet, por exemplo, estão diversas empresas do ramo alimentício, o que acarretaria o aumento de preços em produtos como refrigerante, sucos, chás, água mineral. “Hoje fornecemos material para embalagens plásticas de indústrias como Ambev, Isis, Heineken, mercado de águas minerais, soft drinks, entre outros. Somos afetados pelo dólar e pelo petrodólar. Então, se houver aumento, será algo globalizado”, argumentou.
Somente a Frompet produz cerca de 4 mil toneladas de pré-forma PET por mês e 80% do valor dessa produção diz respeito à resina PET, produto derivado do petróleo, que é processado no Complexo Industrial Químico-Têxtil (PQS), também em Suape, Litoral Sul do Estado.
DESTRUIÇÃO
No último sábado (14), ataques por drones contra instalações da petroleira Saudi Aramco na Arábia Saudita afetaram as instalações petrolíferas da gigante saudita Aramco, a maior instalação de petróleo do mundo, e o campo de petróleo de Khurais. O ataque não deixou vítimas, mas provocou um grande volume de destruição, que causou a suspensão de produção de cerca de 5,7 milhões de barris por dia, o equivalente a mais de 5% do suprimento global de petróleo.
Apesar do grave impacto, o geólogo Antonio Barbosa, especialista em petróleo e professor da Universidade Federal de Pernambuco, acredita que o mercado deve se acomodar nos próximos dias. “O preço do barril estava em US$ 72, em março. Em agosto houve uma baixa para US$ 52, mas antes do ataque já estava subindo, chegou a US$ 62. No primeiro dia após o ataque houve um pico para US$ 68”, contou Barbosa.
O especialista acredita que o “susto maior” para os negócios já passou e que declarações feitas por líderes mundiais acalmaram o mercado. “Esse aumento foi muito por causa das tensões internacionais, esperando como os EUA iriam se comportar. Depois das declarações de Trump, o barril já baixou para US$ 65,20. A tendência é o mercado se acomodar.”