Só unificar os tributos sobre consumo não é o suficiente para conseguir atacar a desigualdade gerada pelo sistema tributário brasileiro de forma mais ampla. Hoje, impostos sobre bens e serviços (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) incidem proporcionalmente mais sobre a renda dos mais pobres, e para mudar esse cenário, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), será preciso, junto à unificação proposta pela reforma tributária, a aplicação de mecanismo de devolução parcial do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda.
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Ao analisar as duas propostas mais adiantadas de reforma em tramitação no Congresso Nacional (PEC 45/2019 e a PEC 110/2019) o Ipea chegou à conclusão de que “a substituição por uma alíquota uniforme atenua um pouco a regressividade”, mas é apenas uma parte do que precisa ser feito para atingir um grau de mudança como um tudo em relação à desigualdade. “Eles (impostos sobre bens) incidem proporcionalmente mais sobre a renda dos pobres, começando em 26,7% da renda do primeiro décimo da distribuição (10% mais pobres) e caindo gradualmente até 10,1% da renda do décimo (10%) mais rico. Nosso exercício sugere que a substituição por uma alíquota uniforme atenua um pouco o perfil regressivo da tributação”, dizem os pesquisadores do Ipea Rodrigo Octávio Orair e Sérgio Wulff Gobettino no estudo.
De acordo com eles, a incidência de impostos continua decrescendo à medida que se caminha da base para o topo da distribuição: passando inicialmente para 24,3% da renda do décimo mais pobre e 11,2% da renda do mais rico, com uma unificação. “Os pesos dos impostos na renda, contudo, caem um pouco para os nove primeiros décimos da distribuição, e a única exceção é o décimo mais rico, que vê sua tributação ligeiramente aumentada”, diz o Ipea ao justificar que os resultados estão alinhados aos de outros estudos da OCDE que demonstram a ineficiência e o grau de regressividade dos impostos no sentido de beneficiar mais as famílias ricas que as pobres, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos.
A regressividade no imposto sobre consumo se dá porque, diferente do imposto chamado pessoal, como o caso do IRPF com suas alíquotas diferenciadas para cada faixa de renda, ou seja é progressivo, a tributação no consumo incide igualmente para todas as faixas de renda. “Num imposto que é progressivo, quem tem rendimento de R$ 100 mil vai pagar uma alíquota maior. Esse tipo de imposto leva em consideração as características da pessoa. No consumo, não. Leva-se em consideração o preço dos produtos. A gente vai comprar uma cesta básica, ela tem R$ 100 de impostos embutidos. Você que ganha R$ 10 mil e eu que ganho R$ 1 mil pagaremos o mesmo imposto, mas como você ganha R$ 1 mil você vai pagar 10% de imposto, e quem ganha mais vai pagar 1%. Quem ganha menos paga proporcionalmente mais”, explica o professor e advogado tributarista, Eric Castro e Silva.
Isenções dos tributos
Para ele, assim como para os pesquisadores do Ipea, é preciso reconhecer que a reforma tributária traz, por outro lado, revisão de algumas alíquotas especiais e isenções, como aquelas que incidem sobre cesta básica e medicamentos, o que talvez tenha impacto relevante de reduzir o poder de compra de famílias de baixa de renda. “Para evitar esse efeito, as propostas da Câmara e do Senado definem entre suas diretrizes a instituição de um mecanismo de devolução parcial do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda. A devolução pode ser operacionalizada via transferências de renda para famílias identificadas no cadastro de programas sociais do governo federal”, aponta o Ipea.
Segundo o tributarista, não é novidade devolver parte do imposto. “Na Europa, já se devolve para quem consome produto europeu mas não mora no continente. Nesse caso, o imposto seria devolvido para quem está dentro do País e é pobre”. Nas contas do Ipea, fazer com que o peso do imposto único (IBS) nos três primeiros décimos da distribuição (30% mais pobres) convergisse para a média nacional de 13,1% (no consumo) seria necessário devolver 46% do imposto pago pelas famílias do décimo mais pobre do país, 28% do segundo décimo e 23% do terceiro, num custo total estimado em R$ 18,9 bilhões, ou 1,3% das receitas do imposto único.