De ícone da estabilização econômica do Brasil a “troco”. O R$ 1 perdeu prestígio nos últimos 17 anos que separam o lançamento do Plano Real dos dias atuais. Ainda assim, permite adquirir muita coisa. Nada como o simbólico quilo de frango lá em 1994 ou uma cerveja de garrafa, como era possível encontrar no começo dos anos 2000. Hoje em dia, dá para recarregar o celular pré-pago, tomar um caldo de cana no copo pequeno, comprar um coco na promoção ou ainda levar para casa um vinil usado do cantor romântico Paulo Sérgio, que fez sucesso ao longo dos anos 1970. Mas a dura realidade é a de que o R$ 1 apanhou justamente do monstro que espantou: o dragão da inflação.
No box 15 do Camelódromo, na Avenida Dantas Barreto, centro do Recife, Milca Moura vende cuecas e calcinhas infantis, além de pares de meias para adultos e alças de silicone para sutiãs, todos por R$ 1. As confecções são adquiridas em Santa Cruz do Capibaribe por R$ 0,90. Só lucra porque vende de monte, explica. Já ambulantes que circundam o centro de comércio informal da capital ainda acreditam na quantia. Romildo Miguel Mariano ganha a vida com seu tabuleiro há 12 anos. Lembra-se do tempo em que quase tudo custava R$ 1. Hoje, o máximo que o comprador leva por esse valor é um pente de cabelo, uma tesoura de unha, uma caneta ou quatro pilhas palito de uma marca asiática desconhecida.
“As pilhas cheguei a comprar por R$ 0,50. Hoje, custam R$ 0,75, R$ 0,80. Mas se colocar por mais de R$ 1 afasta o freguês. Para ter lucro mesmo, como antes, só se vendesse por R$ 2”, conta. Vendedor de discos de vinis usados na Avenida Dantas Barreto há mais de 20 anos, José Cavalcante possui uma oferta mais vasta de artigos a R$ 1. Leandro e Leonardo, José Augusto, Shirley Carvalhares em começo de carreira, trilhas de novela da Globo que fizeram pouco sucesso. Tudo sai por esse preço. “Normalmente as pessoas me vendem por R$ 0,50. É lucro de 100%”, diz. Ficam de fora apenas o discos de Luiz Gonzaga e Waldick Soriano, que custam R$ 5, e os de Roberto Carlos, de R$ 2.
Perto dali, enfeites natalinos, manteiga de cacau, um saldão de copos de plástico parecidos com copos americanos, um milho verde, um cascão de sorvete “genérico”. Tudo exige um desembolso de R$ 1.
No dia 1º de julho de 1994, o Plano Real começou a derrubar a inflação galopante que assolava o Brasil. A sua chegada proporcionou uma queda violenta nos preços. Tudo começou a ficar mais barato. Dez ovos, dez pães, iogurte. Lojas de R$ 0,99, recheadas de bugigangas importadas, apareciam em cada esquina. Parecia até que era possível comprar tudo com R$ 1. Em 1995, a sua moral era tanta que ele chegou a valer US$ 1,20. Porém, com o tempo veio o baque. Na época, além de moedinha, era cédula verde, ornada com um beija-flor, cuja fabricação parou em 2005, um dos golpes no seu prestígio.
“A explicação é a inflação. A queda no valor do R$ 1 é brutal. Somente o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) acumulou alta nesses 17 anos de 403%. Por essa comparação, para comprar o mesmo de 1994 com R$ 1 temos que gastar, hoje, R$ 4. Além disso, naquele ano, havia um pouco de euforia com o aumento no poder de compra”, comenta o analista Osvaldo Moraes, da Multinvest Capital.
Economista e professor da Faculdade Boa Viagem, Marcelo Barros acrescenta que apesar da inflação no Brasil nunca ter atingido os picos de antes do Plano Real, houve “choques” que provocaram mudanças nos patamares de preços irreversíveis, como a desvalorização da moeda em 1999 e o impacto inflacionário de 2002, com a eleição de Lula para presidente. “O fato de o R$ 1 ter perdido importância é fruto da dinâmica normal de uma Economia”, resume.