Jovem, pequena e espremida entre o fim da Zona da Mata Norte e o início do Agreste pernambucano, a cidade de Lagoa do Carro conseguiu se fazer perceber por sua tradição tapeceira. O artesanato já era prática comum quando a cidade de menos de 70 quilômetros quadrados (Recife tem 218 km²) deixou de fazer parte de Carpina, há 25 anos. Tornou-se “a cidade dos tapetes”. Hoje, o título é ameaçado pela crise. Sem vender, cada vez mais tapeceiras abandonam o ofício para se tornarem domésticas ou agricultoras – não por escolha, mas por necessidade.
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A Associação de Tapeceiras de Lagoa do Carro (Astalc) já reuniu mais de 100 associadas e conseguia movimentar até R$ 100 mil por mês com a venda dos tapetes. As 32 mulheres que continuam a integrar o grupo mal conseguem fazer com que o valor chegue aos R$ 15 mil. “Na crise, as pessoas se preocupam com os gastos de primeira necessidade. Aí o tapete acaba entrando na lista do que é cortado”, resume Risolange Rodrigues da Silva, 32 anos, presidente da associação. Segundo ela, o movimento que já vinha caindo desde 2011 depencou com a crise iniciada em 2014.
O tapete acaba ficando de lado também para quem faz dele sua renda. Sem demanda, as tapeceiras estão migrando (ou voltando) para outras atividades que garantam a comida na mesa. A agricultura (inclusive o corte da cana), junto com a olaria, é responsável por gerar o maior número de postos de trabalho da cidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outras se tornam empregadas domésticas em casas de famílias de outras cidades.
“Tinha 14 anos quando aprendi a fazer tapetes. Comecei para me livrar da roça e não precisar passar o dia debaixo do sol quente. Mas agora não está dando. Tive que voltar. Tenho uma mãe doente para cuidar e muitos gastos com remédio. Não dá pra ficar só no tapete”, conta Mariluce de Moura, conhecida como Tetê dos Tapetes, 56 anos. A renda de uma aposentadoria compartilhada por ela, o pai e a mãe agora é complementada com o que se tira do sítio.
PRODUÇÃO
A tradição de Lagoa do Carro fica ainda mais ameaçada quando dois dados são levados em consideração. A cidade é pobre: dois terços dos seus habitantes vivem com até dois salários mínimos. Já a produção de tapetes é cara. Para confeccionar apenas um metro quadrado são gastos cerca de R$ 300 com matéria-prima. Na lista, entram a tela sobre a qual são feitos os pontos, a lã, a cola e o algodãozinho (tecido natural usado para o forro). A venda do mesmo metro quadrado costuma ser feita por R$ 500. O valor poderia ser alto se não fosse um detalhe: o tempo necessário para terminar o trabalho. O produto leva em média um mês para ser concluído. Ou seja, um mês de trabalho repetitivo e totalmente artesanal representa para cada tapeceira R$ 200 de lucro.
Praticamente toda a venda é feita por unidade ou encomenda individual. “Quando uma loja quer comprar em quantidade, pede abatimento no preço. Como nossa margem é muito baixa e o processo demorado, não compensa”, explica Risolange. Ela lembra ainda que parte do lucro ainda fica comprometido com a compra de material para produzir outros tapetes.
Todos esses fatores mudaram a paisagem da cidade. Há cerca de cinco anos, as calçadas de Lagoa do Carro ainda eram tomadas por homens e mulheres bordando telas e tapetes pendurados nas janelas. A cena hoje fica praticamente restrita ao terraço da Astalc – localizada no quilômetro 8 da PE-90 – e a motivação é o prazer pessoal de tecer. “Isso aqui é o meu orgulho, a minha terapia. Só quero deixar o tapete quando morrer”, diz Josefa da Silva, 54 anos.