O Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo federal, e que atende 14 milhões de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, é uma das poucas unanimidades entre os candidatos à presidência da República, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). Ambos prometem apoio ao programa.
Bolsonaro chegou a anunciar a criação de uma 13ª parcela para quem recebe o Bolsa Família, mesma proposta defendida pelo governador reeleito de Pernambuco Paulo Câmara (PSB) durante sua campanha. Já Fernando Haddad falou em ampliar o número de famílias atendidas e melhorar os sistemas de controle de pagamento dos benefícios. Na vida real, a verba integral para o pagamento do Bolsa Família sequer está garantida para o ano que vem porque o orçamento do governo federal para 2019 ainda não foi votado pelo Congresso.
O problema que o futuro presidente da República vai enfrentar é que na proposta inicial do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2019), enviado ao Congresso pelo Executivo, em agosto, 50% dos recursos do Bolsa Família (cerca de R$ 15 bilhões) estavam condicionados à emissão de títulos da dívida. Na prática, seria necessário pedir a abertura de crédito adicional via projeto de lei já em 2019, o que depende da aprovação do Legislativo por maioria absoluta.
Com a repercussão negativa, o presidente Temer recuou e chegou a anunciar a inclusão na proposta de orçamento o valor integral de custeio de R$ 30 bilhões. Essa recomposição ainda não aparece no sistema de informação orçamentária da União. Da forma como está, o próximo governo terá que receber autorização da Câmara Federal e do Senado para poder financiar o segundo semestre do Bolsa Família de 2019.
O projeto de Lei Orçamentária, atualmente, está na fase de incorporação de emendas, mas deve ser votado até o final deste ano. Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social (Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas), o Bolsa Família é importante porque é um grande aliado do ajuste fiscal, custa menos de meio por cento do produto Interno Bruto (PIB) e atende 1/4 da população brasileira. “É o benefício social de melhor custo e tem impacto direto na melhoria da situação da pobreza. Não garantir os recursos totais é preocupante”, diz o economista.
Neri relata que em 2015, ano em que o benefício ficou congelado, a pobreza extrema subiu 23%. “O interesse pelo Bolsa Família, e demais programas sociais do governo, cresce nos anos de eleição e, passado esse período, deixam de ser prioridade. Só espero que nunca sejam um problema”. Neri diz que é básico fomentar redes de proteção social justamente em épocas de crise, pois desmontar essa rede tem efeito danoso sobre a economia. Ele não acredita que os Estados possam assumir a manutenção ou mesmo ampliação do programa, como muitos candidatos ao governo prometeram. “A maioria dos Estados está tão ou mais quebrada que o governo federal. De qualquer forma, não me parece uma estratégia interessante esvaziar o Bolsa Família”, conclui Neri.
O professor de ciências contábeis e atuariais da Universidade de Brasília (UNB), Roberto Bocaccio Piscitelly, confirma que o próximo ano será muito complicado do ponto de vista fiscal e orçamentário. Ele diz que as incertezas quanto ao orçamento não diminuirão, qualquer que seja o resultado das urnas no segundo turno da eleição presidencial. “O orçamento atual já necessita de uma suplementação. Mas é difícil acreditar que o Congresso não vá aprovar recursos para a área social”.
Para Bocaccio, resolver esta equação vai exigir do próximo presidente muito poder de convencimento. “Quem tomar posse em 2019 terá que inspirar confiança nos agentes econômicos internos e externos. A arrecadação está muito baixa e o que precisamos é de investimentos na produção”.
Para o professor, a retomada do crescimento econômico não se dará pelo consumo, e sim, pelo investimento na produção. “Quando a produção cresce, a arrecadação também cresce. O governo precisa recuperar a arrecadação para poder respirar e investir.” Roberto Bocaccio aponta ainda que outros recursos para a retomada econômica seria o governo rever a política de renúncias fiscais que, segundo ele, corroem a capacidade fiscal dos Estados e agilizar a cobrança dos 2 trilhões de reais das dívidas ativas da União. “Quem deve ao governo não é molestado. É preciso acabar com a farra das anistias fiscais”, sintetiza.