Na manhã daquela sexta-feira, 1º de julho de 1994, o Brasil acordava com o nascimento de sua décima moeda (e sete nomes diferentes). O real “vinha ao mundo” com a promessa de enterrar os anos de inflação corrosiva e de instituir a estabilidade econômica no País. Os bancos abriram mais cedo e um exército de 650 mil funcionários aguardaram a população, nas 15 mil agências da época, para fazer a troca da moeda. Ensandecidos com as contas de multiplicar e dividir para transformar 2.750 cruzeiros reais (Cr$) em um real, os brasileiros precisaram desentocar suas calculadoras das gavetas. Hoje o Plano Real comemora 20 anos de criação, com o País deixando para trás uma inflação de 2.477%, em 1993, e cravando uma taxa de 5,91% no ano passado. Nessas duas décadas, o rendimento médio do brasileiro cresceu quatro vezes e o valor do salário mínimo se multiplicou 11 vezes, passando de R$ 64,79 (em julho de 94) para R$ 724 esse ano.
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Ao longo da história, o Brasil bateu recordes de tentativas de estabilização. Desde 1986 foram sete planos econômicos, registrando média de um a cada 14 meses. No dia 28 de fevereiro de 1986, o presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado, tentando combater uma inflação de 80% ao mês e resgatar a credibilidade da economia brasileira. O plano substituiu a moeda de cruzeiro (Cr$) pelo cruzado (Cz$) e estabeleceu o congelamento de preços. A população convivia com as tabelas de preços publicadas nos jornais e fixadas nos supermercados. O governo incentivou a figura dos “Fiscais do Sarney” para denunciar os estabelecimentos que tentassem burlar o plano. Houve diversos abusos. Empresários eram vistos como vilões por causa das campanhas equivocadas do governo.
O congelamento acabou reduzindo a rentabilidade dos produtores e provocando desabastecimento no mercado. Quem viveu àquela época lembra das filas e do racionamento na compra de alimentos. “As pessoas só faltavam defender seu refrigerador com espingarda 12”, diz o economista da Ceplan, Jorge Jatobá. O Plano Cruzado fracassou e a inflação voltou ainda com mais força.
Depois vieram os planos Bresser (1987) e Verão (1989), os dois repetindo a fórmula do congelamento de preços. “Todos fracassaram por conta de equívocos na sua concepção teórica”, observa Jatobá. Em março de 1990, Fernando Collor de Mello assume a Presidência da República e lança dois planos econômicos durante sua gestão (Collor I e II), que traumatizaram a população brasileira com a medida impopular de confisco da poupança. Com o impeachment de Collor, o vice Itamar Franco assumiu a cadeira em 1993, ano em que a inflação brasileira atingiu seu maior patamar (2.477%).
Após trocar três vezes de ministro da Fazenda, Itamar convidou Fernando Henrique Cardoso para ocupar o cargo. “FHC reuniu um time de economistas da PUC do Rio com boa formação macroeconômica (Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan) para criar o Plano Real, que foi uma solução brasileira extremamente criativa e sem similar no resto do mundo”, afirma. Foram dez meses de discussão e 55 versões para fechar o projeto.
O Plano Real se alicerçou em três fundamentos: ajuste fiscal, desindexação da economia e política monetária restritiva. Os brasileiros também perceberam a diferenciação do plano, porque ele foi aplicado em etapas. Uma delas foi a criação da Unidade Real de Valor (URV), em março de 1994. A URV era uma espécie de moeda virtual, com valor atrelado ao dólar. “A criação da URV foi um golpe de mestre para desindexar a economia. Ela era como uma bola de festa que foi enchendo com a inflação e, no dia 1º de julho de 94, foi estourada e ganhou paridade com o real”, destaca Jatobá. O economista lembra que além da URV, em 1999 foi criado o regime de meta de inflação e no ano seguinte a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para controlar a sanha gastadora dos governos. Em paralelo, o governo adotou medidas como o aumento da taxa de juros para restringir a atividade econômica e segurar a inflação.
“Minha mãe costuma dizer que faço parte da geração da estabilidade econômica. Ela conta que os anos de inflação eram muito difíceis. As pessoas precisavam comprar muita comida e armazenar, porque os preços estavam sempre mudando e o salário desvalorizava”, diz o estudante de história da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Francisco Pedrosa, que nasceu em março de 1994. Distante dos tempos de inflação galopante, o jovem conta que consegue planejar seus gastos. A bolsa de R$ 400 que recebe de um programa de iniciação científica é gasto com alimentação, livros, xerox e transporte.
“A grande contribuição do Plano Real foi melhorar a vida do povo brasileiro. A população não suportava mais os anos atormentados pelas máquinas de remarcação de preços. O governo Lula manteve o tripé do programa, mas a gestão Dilma começou a negociar essas premissas e a afrouxar no controle dos gastos. É preciso tomar cuidado para que a conquista de ganho real que a população experimentou não vá por água abaixo”, alerta o professor de macroeconomia da UFPE, Marcelo Eduardo.