História

Dona Santa e Luiz de França: os mestres do maracatu nação

Figuras históricas da cultura pernambucana, os dois fazem parte do imaginário popular do Estado

Mateus Araújo
Cadastrado por
Mateus Araújo
Publicado em 15/02/2015 às 0:00
Acervo da Fundação Joaquim Nabuco
Figuras históricas da cultura pernambucana, os dois fazem parte do imaginário popular do Estado - FOTO: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco
Leitura:

Os nomes de Dona Santa e Luiz de França são peças-chaves para que se reconte a história do maracatu nação em Pernambuco. Ela, a mais famosa rainha dos cortejos, matriarca do Elefante; ele, o mestre do Leão Coroado (a agremiação mais antiga em atividade ininterrupta), professor e referência no quesito axé dos terreiros do Estado. No entanto, uma curiosidade desconhecida por muitos ou até mesmo pouco explorada na oralidade que repassa a tradição das nossas manifestações populares é a ligação entre os dois. 

Maria Júlia do Nascimento, a Dona Santa, nasceu no berço da cultura popular afrodescendente do Recife, o Pátio de Santa Cruz, em 25 de março de 1877. Começou no maracatu desde muito nova (a idade, ao certo, não se tem registro), como rainha do Leão Coroado, fundado há 151 anos. Antes disso, a menina, filha e neta de africanos, já brincava em troças carnavalescas e participava de congadas. Vivia os folguedos na porta de casa, como algo inerente à vida. Foi no Leão Corado que Dona Santa conheceu João Vitorino, com quem casou-se e por causa de quem, em seguida, abdicou do trono de majestade do Leão para assumir a coroa do Maracatu Elefante, fundado em 1800, como afirma a bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco, Lúcia Gaspar, em artigo sobre a matriarca. 

Santa ficou famosa em Pernambuco por ter pulso firme. Ialorixá e juremeira, dona de um saber ímpar sobre os ensinamentos da religião afro, em 1947 ela ficou viúva e teve de assumir as rédeas do Maracatu Elefante, até então liderado por seu marido. Tinha numa rede de sociabilidade que lhe conferia poder e legitimidade, não só por ser rainha, mas por ser religiosa famosa. “Com mais de 60 anos, tinha por obrigação proteger seus filhos e filhas de santo, e assegurar ao Elefante e seus maracatuzeiros um lugar ao sol no disputado Carnaval recifense. A rainha, ao que tudo indica, cumpriu muito bem seu papel, demonstrando que podia não só liderar seu grupo, mas também exercer o papel de mediadora cultural, criando condições para que seu grupo se sobressaísse na cena cultural da cidade, despertando a admiração e o carinho entre intelectuais, jornalistas, fotógrafos e escritores da cidade e do resto do país”, relatam os pesquisadores do Inventário Sonoro dos Maracatus de Pernambuco (inventariomaracatus.blogspot.com.br). 

Entre seus filhos-de-santo, estavam Luiz de França, o herdeiro dos saberes e batuques do Leão Coroado. Homem ortodoxo, Luiz sempre respeitou à risca os ensinamentos de sua religião e as tradições do maracatu que assumira do seu pai, um antigo estivador do porto do Recife. Como explica o babalorixá Afonso Aguiar, hoje presidente do Leão Coroado, “a amizade que Santa e Luiz tinham era muito grande. Ele respeitava muito ela, que era sua mãe-de-santo. Ele amava muito. Tudo que ele falava era ‘minha madrinha’. Ele falava com muito respeito”. 

 

 

Por anos, Luiz de França conviveu com a matriarca, cumprindo suas ordens e ouvindo seus conselhos. Para alguns, no entanto, uma relação que ia além da amizade. Do que discorda Mestre Afonso: “Em hipótese alguma podia ter namoro”, garante.  

O fato é que, na história do Carnaval pernambucano, Luiz de França e Dona Santa foram responsáveis pelo fortalecimento de uma tradição hoje marcada por uma estilização que ambos criticavam. Mestre Afonso, que leva adiante os ensinamento de Luiz no Leão Coroado (a agremiação não abre-mão dos instrumentos típicos nem dos resguardos religiosos de seus integrantes), é um dos poucos maracatuzeiros que cumprem com os ensinamentos desses antepassados. No caso do Elefante, que após a morte de Dona Santa teve seus instrumentos e adereços entregues ao Museu do Homem do Nordeste, e 20 anos, em 1985, foi remontado com ajuda de pesquisadores e folcloristas pernambucanos, Madalena dos Santos, antiga rainha do Leão Coroado, resolveu apostar na volta da Nação Elefante às ruas. Hoje, as duas agremiações desfilam pelas ruas de Pernambuco como grandes símbolos da nossa história, carregando o brilho dos eguns (os ancestrais). Então, não há dúvida de que entre o Elefante e o Leão Coroado, a ligação é selada por Santa e Luiz de França. 

Últimas notícias