PUNTA ARENAS (Chile) – Dois gigantes dos mares garantem a continuidade das pesquisas brasileiras na atual Operação Antártica (Operantar 31). O Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel (H-44) e o Navio Polar Almirante Maximiano (H-41) viabilizam as investigações científicas no continente branco em áreas como oceanografia, hidrografia, geologia, biologia marinha e geofísica. Incorporado à Marinha em abril de 1994 para substituir o antigo Barão de Teffé, o Ary Rongel atua na retaguarda das equipes que trabalham no desmonte e limpeza da EACF, além de alguns projetos científicos. Já o mais jovem e moderno “Max”, como é conhecido, opera desde fevereiro de 2009 em atividades operacionais voltadas à pesquisa. “Com o apoio das embarcações, vamos atender plenamente a todas as solicitações da comunidade científica nesta temporada. Cerca de 200 pesquisadores subirão a bordo”, contabiliza a coordenadora para Mar e Antártica do MCTI, Janice Trotte Duhá.
A grande vantagem dos navios é a mobilidade. “Recebemos, deixamos e buscamos pesquisadores em diversas partes na mesma operação, chegando a lugares isolados que de outra maneira não seria possível”, explica o comandante do Max, Newton Pinto Homem. “Este ano a atividade está muito intensa. Já iniciamos oito projetos”, acrescenta.
Quando a reportagem do visitou a embarcação no porto de Punta Arenas (Chile), às vésperas do retorno do navio à Antártida após o recesso de fim de ano, uma nova leva de cientistas começava a se instalar. Entre eles, a professora Wânia Duleba, ligada ao Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. A cientista estuda emanações de hidratos de gás metano na região da Ilha Marambio (Mar de Weddel), fenômeno que pode ter relação com as mudanças climáticas atuais. Só a demanda dessa pesquisadora dá uma ideia da complexidade da logística articulada a partir dos navios. “Para chegar à área da coleta, preciso de um bote, um mergulhador e dois marinheiros, além de uma série de equipamentos, como ecobatímetros e sensores de temperatura, salinidade e pressão”, descreve.
Segundo Pinto Homem, a organização para suprir cada um dos projetos “é como um castelo de cartas”. Ainda mais considerando os humores do clima num lugar onde o tempo vira de mar de almirante para ventos de 120 km/h em poucos minutos. “A partir do momento em que os projetos são designados, recebo um formulário logístico em que são detalhadas as demandas deles. Mas estamos sempre fazendo adaptações, porque a nossa prioridade em campo é a segurança das pessoas. Muitas vezes até temos que negar certos pedidos.”
Com capacidade plena, o Almirante Maximiano transporta 106 passageiros, sendo 33 pesquisadores, divididos em camarotes para um a quatro ocupantes, com banheiro interno ou compartilhado. Conforto não é bem o forte de uma navio dedicado ao trabalho científico, mas o arsenal que faz dele um centro de pesquisas flutuante, esse sim chama atenção. São cinco laboratórios, sendo dois secos, dois molhados e um misto. Em geral, cabe a cada projeto equipá-los de acordo com necessidades específicas. Como padrão, há computadores e um super freezer capaz de conservar amostras a 86 graus negativos.
Entre os equipamentos, são disponibilizados um guincho oceanográfico capaz de medir e coletar água a até 8 mil metros de profundidade e outro geológico, que coleta amostra de solo marinho a 10 mil metros. Uma estação meteorológica dispõe de avançados aparelhos de oceanografia, como um monofeixe especial que permite fazer o desenho tridimensional do fundo do mar. Completam o maquinário medidores que traçam o perfil das correntes marinhas e outros que podem penetrar nos sedimentos do fundo do mar através de impulsos sonoros.
O navio de 90 metros de comprimento, e capaz de deslocar 5,5 mil toneladas, também comporta quatro botes infláveis e um hangar climatizado para dois helicópteros. No Ary Rongel, a estrutura é semelhante, só que um pouco mais modesta. Hospeda 94 tripulantes, entre eles 25 pesquisadores, e abriga dois laboratórios. O forte da embarcação é a capacidade de carga de 2.400 metros cúbicos dos dois porões e a presença de guindastes para até 17 toneladas.
LABIRINTO - A circulação em ambos os navios requer algum tempo de adaptação para desvendar o labirinto de corredores e escadas estreitas. Mais cedo ou mais tarde, tripulantes e pesquisadores se encontram em alguma das áreas comuns. A mais concorrida é a Praça D’Armas, que serve de sala de estar, refeitório e área de lazer equipada com TV de 42 polegadas, DVD e videogame. Para não perder a forma com a quantidade de comida calórica que o frio exige, também há academia de ginástica. Ambulatório e consultório odontológico estão a postos para qualquer imprevisto. E, luxo dos luxos, uma lavanderia garante que ninguém vai precisar repetir roupa suja.
A sensação de isolamento é quebrada com um razoável sistema de comunicação, que permite fazer chamadas telefônicas e acessar a internet. Um alívio para os oficiais e tripulantes que passam os seis meses do verão antártico (de abril a setembro) embarcados. “A distância da família é a maior dificuldade, mas na verdade a viagem é como um prêmio dentro da corporação, já que somos escolhidos por mérito”, ressalta o Capitão Jorge Luiz Nascimento de Paula.
Até mesmo os comandantes enxergam a missão na Antártida como um reconhecimento. “Meu primeiro contato com o continente foi na 30a. Operantar, em 2011-2012. Antes disso, era um sonho distante, que não sabia quando ia realizar. Como a escolha do comandante é baseada no seu passado, foi uma emoção muito forte. Uma honra”, conta Pinto Homem. Para ele, um dos grandes desafios é navegar com neve, gelo, baixa visibilidade, tudo ao mesmo tempo, condições muito distintas das encontradas na costa do Brasil. “Mas o contato com os pesquisadores e a importância de representar o País num trabalho reconhecido mundialmente compensa tudo”, destaca o capitão de Mar e Guerra Marcelo Seabra, à frente do Ary Rongel. Pinto Homem concorda e, assim como Seabra, diz já estar em “processo de desapego”. Isso porque os comandos dos navios que atuam nas pesquisas antárticas são substituídos a cada dois anos.
OPERANTAR 31 - A Marinha utiliza ainda três outras embarcações na operação deste ano. O Navio de Socorro Submarino Felinto Perry, o Navio Mercante Germânia, fretado pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, e o Navio de Transporte de Pessoal e Carga ARA Bahia San Blas, cedido pela Armada Argentina, dão suporte ao desmonte da Estação Comandante Ferraz e instalação dos 29 módulos emergenciais provisórios. Contando ainda com dez voos das aeronaves C-130 – Hércules, da Força Aérea Brasileira, a Operantar 31 já é considerada a maior e mais complexa missão realizada pelo País na Antártida. Dimensão possibilitada pelo orçamento inédito de R$ 58 milhões, contra R$ 8,72 milhões em 2011.