A ausência no relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de referência ao cemitério de Perus, localizado na zona noroeste da capital paulista, e usado durante a ditadura para enterrar em segredo inimigos assassinados e outras vítimas de violência do Estado, foi criticada por ex-presos políticos e por membros da Comissão Estadual da Verdade - Rubens Paiva (CEV).
Leia Também
No cemitério, criado em abril de 1971, foram encontradas, em 1990, mais de mil ossadas enterradas em uma vala clandestina. “O relatório está ótimo, mas não enfrenta os crimes da ditadura. A vala de Perus significa crimes da ditadura, seja contra os desaparecidos políticos, seja contra o povo que foi morto pelo esquadrão da morte, seja contra quem foi morto pela meningite, censurada pelo estado”, disse Amélia Teles, integrante da CEV e fundadora da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, em sessão da comissão que avaliou o relatório da CNV.
O Grupo de Trabalho Perus, instituído em outubro de 2014 pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, já identificou, ao menos, sete ossadas que podem ser de desaparecidos políticos. Os resultados parciais foram divulgados em meados de dezembro. Algumas ossadas já foram analisadas na década de 1990 pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 1992, foram identificados dois presos políticos cujos restos mortais estavam na vala clandestina: Dênis Antônio Casemiro e Frederico Eduardo Mayr. Desde então, o processo de identificação ficou paralisado, sendo retomado apenas em 2014.
“Ninguém quer mexer com os crimes da ditadura. Parece que existe um pacto de silêncio, porque não se consegue romper esse cerco quando queremos tratar [do tema]. Quem está preocupado em fortalecer a democracia não pode esquecer dos crimes da ditadura”, ressaltou Teles.
No total, foram encontradas 1.049 caixas com ossadas em uma vala comum no cemitério. Para concluir a identificação dos restos mortais, no entanto, ainda é necessário fazer um exame genético a fim de comparar o material dos restos mortais com o genoma das 41 famílias dos militantes assassinados durante a ditadura, ainda não encontrados, e que podem ter sido enterrados em Perus.
A identificação das ossadas, porém, corre o risco de atrasar novamente. Por falta de recursos, não está sendo feito o transporte das caixas com os restos mortais, hoje no cemitério do Araçá, para a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde estão sendo analisadas. Além disso, um grupo de estudiosos forense da Argentina, que auxiliava na identificação, anunciou em dezembro que estava se afastando do processo.
“É com muita tristeza que nós registramos o afastamento do grupo de antropologia forense da Argentina. É com muita tristeza, para não dizer que é com muita vergonha, que os argentinos se retiraram”, destacou o presidente da CEV, deputado Adriano Diogo. As razões do afastamento serão detalhadas nesta segunda-feira (2), em nota, pela CEV.