O debate que se acendeu no País no final de agosto sobre os riscos da mineração para a floresta, por ocasião da tentativa do governo federal de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), acaba de ganhar uma boa dose argumentos científicos.
O primeiro estudo já feito sobre o papel da mineração sobre o desmatamento da Amazônia revelou que a atividade foi responsável, direta e indiretamente, por 9,2% de toda a perda florestal registrada no bioma entre 2005 e 2015.
O alerta foi dado por um grupo de pesquisadores de universidades dos Estados Unidos, da Austrália e do Brasil em pesquisa publicada nesta quarta-feira, 18, na revista Nature Communications.
O trabalho, liderado por Laura Sonter, que fez a pesquisa em seu pós-doutorado na Universidade de Vermont, analisou imagens especiais e as mudanças na paisagem em torno das 50 maiores minas ativas da Amazônia - só foi levada em conta a mineração autorizada; garimpos ilegais ficaram de fora. A ideia era medir não só o impacto imediato no ponto da lavra, mas o desmatamento induzido para o funcionamento de toda a operação.
A descoberta é que o corte da floresta se estende por até 70 quilômetros além das fronteiras das lavras, em razão do estabelecimento da infraestrutura, como estradas, ferrovias e aeroportos, e da expansão urbana de suporte para o crescimento da força de trabalho.
No período de dez anos avaliado, o desmatamento total induzido pela mineração foi de 11.670 km2. A maior parte disso - 90% -, aponta o trabalho, ocorreu fora do local de extração. Em outras palavras, a devastação fora das minas foi 12 vezes maior do que dentro.
Estimativas anteriores, comentam os autores do trabalho, eram de que a mineração respondia por apenas 2% ou 3% do desmatamento. "Era sabido que existia uma influência, mas ela nunca havia sido mensurada. Normalmente se pensa só no buraco, na cava, mas não é só isso. Junto com mineração vem toda a infraestrutura associada O impacto indireto é muito maior", explica ao Estado o pesquisador Britaldo Soares-Filho, do Centro de Sensoriamento Remoto, Universidade Federal de Minas Gerais, e um dos autores do trabalho.
Ele afirma que perto das minas até existe preservação da floresta. "Em várias delas, a empresa estabeleceu buffer de floresta no entorno, mas além disso, toda a infraestrutura, as siderúrgicas associadas à mineração de ferro, a migração populacional no entorno. Isso tudo obviamente acelera o desmatamento", diz.
Os autores alertam que os dados são importantes sobretudo quando se discute no Congresso abrir terras indígenas e unidades de conservação para a mineração. Soares-Filho destaca que isso também deveria ser levado em conta na discussão que ocorre neste momento de mudança no licenciamento ambiental.
"O processo de licenciamento hoje como existe no Brasil já é muito falho por não considerar a cadeia de impactos. Esses empreendimentos avaliados passaram todos por licenciamento, mas ele só considera o entorno. Isso não é só para a mineração, mas para hidrelétrica e todo o resto. Tem de haver uma avaliação dos possíveis impactos futuros", defende o pesquisador.