Horacio Angel Maldonado acabara de fazer 18 anos. Entrou no serviço militar obrigatório nos primeiros dias de março de 1982. Mal começara a receber a instrução militar básica quando da retomada das Malvinas. As décadas passadas não borraram a precisão do relógio. Às 19h30 em ponto de 11 de abril, nove dias após o início do conflito, estava lá, mesmo destreinado, como soldado raso do Regimento de Infantaria argentino. “O pouco ou muito que haviam me ensinado eu reforcei com conhecimentos adquiridos já nas ilhas”, conta ele, em entrevista por e-mail ao JC.
A vida quase lhe escapou duas vezes. Na primeira, buscava comida extra, pois o alimento disponível era pouco, e decidiu se arriscar até a zona inimiga. No caminho, foi surpreendido por um bombardeio naval. Maldonado tentou buscar refúgio. Não havia tempo. Uma bomba explodiu perto dele. Foi arremessado contra as rochas. Caiu desmaiado. Acordou coberto de neve e com soldados ao redor. Refeito do susto, voltou ao posto.
Já como prisioneiro de guerra, ao final do conflito, foi levado pelos britânicos a uma zona de combate para recolher corpos de companheiros mortos. De repente, em meio à tarefa e ao desconsolo da derrota, ouviu uma explosão. Um militar inglês pisara numa mina. Uma confusão generalizada teve início, argentinos com pás nas mãos oferecendo uma última resistência, britânicos disparando ao alto. Após tudo se acalmar, Maldonado percebeu uma bala cravada em sua panturrilha. O soldado foi tratado na embarcação inglesa Nordlan.
Me custou muito tempo poder falar sobre o assunto. Finalmente, entendo que sobreviver foi uma obra do destino e quem sabe para poder fazer algo melhor na vida
, desabafa ele, hoje pai de dois filhos e vivendo em San Fernando, na província de Buenos Aires.
Cinco amigos de regimento morreram. Os feridos foram muitos para serem contados. Maldonado inclusive. Ele retornou com duas vértebras quebradas, uma cicatriz na perna, problemas neurovasculares decorrentes do frio e transtorno por estresse pós-traumático.
Sua dor – e a de uma legião de homens que deram a vida por uma causa – virou “um discurso florido na boca de políticos”. Colegas queimados, amputados, feridos no corpo e na alma, morreram devagar, sem assistência, sem o olhar do Estado. Outros se suicidaram. Para Maldonado, falar sobre a guerra não é uma recordação demagógica que emerge a cada novo outono. É remexer antigas feridas, as que nasceram das armas britânicas e as reabertas pelo descaso da própria nação.