Discurso acalorado de Trump na ONU redefine papel dos EUA no mundo

Trump qualificou o líder norte-coreano Kim Jong-un como "homem foguete" em uma "missão suicida"
AFP
Publicado em 20/09/2017 às 21:04
Trump qualificou o líder norte-coreano Kim Jong-un como "homem foguete" em uma "missão suicida" Foto: Foto: AFP


O primeiro discurso do presidente americano, Donald Trump, na ONU, teve grande repercussão, mas também deu pistas de uma doutrina própria que pode transformar o papel dos Estados Unidos no mundo.

Um observador o descreveu como uma "tempestade de Twitter de 42 minutos" e outro disse que foi a versão "bombada do discurso sobre o 'eixo do mal'", do ex-presidente George W. Bush.

Mas em muitos aspectos, a primeira aparição de Trump em frente ao estrado de mármore verde da Assembleia Geral das Nações Unidas foi tudo o que se esperava do beligerante e iconoclasta empresário transformado em político, e que ninguém teria esperado de qualquer de seus antecessores, anunciando um novo estilo de liderança no cenário mundial.

A retórica de, foi saudada por seus simpatizantes, mas deixou seus aliados ao redor do mundo atônitos diante da mudança operada na maior potência mundial.

Para além do estilo belicoso, Trump pediu uma mudança substanciosa, fazendo ver que quer desandar o caminho avançado no último meio século em matéria de normas e instituições internacionais e voltar à supremacia do Estado-nação.

Em seu discurso, mencionou as palavras "soberano" e "soberania" 21 vezes, um recurso majoritariamente usado em tempos modernos pela China para desviar as críticas ao seu sistema fechado, ou pela Rússia e pela Venezuela para denunciar uma interferência americana em assuntos domésticos.

Assistentes de Trump dizem que o chamado ao fortalecimento do Estado-nação não é um choque ao multilateralismo per se, mas o repúdio a uma globalização que dilui a vontade do povo.

Mas os aliados de Washington ficaram com a clara sensação de que a doutrina de Trump de "Estados Unidos em primero" significa Estados Unidos apenas.

"Nos Estados Unidos, não buscamos impor nosso modo de vida a ninguém, mas ao contrário desejamos que brilhe como um exemplo para todos", disse Trump.

Atentos a criar uma base intelectual para a visão do presidente sobre o mundo, altos assessores de Trump haviam anunciado o discurso como "profundamente filosófico".

Para a Casa Branca, a ideia é útil para contrabalançar os críticos que consideram que Trump não tem peso intelectual e um começo para construir um legado ideológico que poderia sobreviver à sua Presidência.

Mas também reflete a influência continuada de ideias nacionalistas na Casa Branca, inclusive depois da partida do controverso assessor Steve Bannon.

O discurso de Trump mostrou a influência de assessores como Stephen Miller, que teve um papel importante em sua redação, e que parece seguir os passos do assessor de  Barack Obama, Ben Rhodes, que assumiu importante poder na máquina de escrever.

Mas o establishment da diplomacia americana - em nada disposto a enaltecer o presidente - destacou várias contradições que questionam a criação de uma doutrina Trump coesa.

Embora tenha insistido em que os Estados Unidos não se encarregam mais de instalar democracias em outros países, Trump pediu para recuperar as democracias no Irã e na Venezuela.

Homem sem plano
 

Trump destroçou o acordo sobre o programa nuclear iraniano, mas a Casa Branca não ofereceu nenhuma clara alternativa possível.

Funcionários americanos admitem privadamente que qualquer opção militar contra a Coreia do Norte seria potencialmente desastrosa para aliados como a Coreia do Sul, ao alcance do arsenal de armas químicas de Pyongyang.

"É um homem sem um plano", disse Thomas Wright, do Instituto Brookings. "Será visto como fraco e sem direção, e cheio de fanfarronice".

Sobretudo, os críticos de Trump questionam se é possível recuar no tempo a concepções que dominam o mundo menos globalizado do começo do século XX.

"Soberania em nossa era requer fundamentalmente uma cooperação próxima com outras nações e com fortes instituições internacionais, o que o presidente Trump rejeita", disse o analista do Atlantic Council Barry Pavel, veterano de vários governos republicanos e democratas.

Este pensamento ainda persiste entre muitos diplomatas e militares, que em grande medida continuaram as velhas práticas, apesar dos novos ocupantes da Casa Branca.

Até mesmo membros do círculo íntimo do presidente, do secretário de Defesa, James Mattis, ao vice-presidente Mike Pence, se distanciaram dos aspectos mais espinhosos da retórica de Trump, sem contradizê-lo diretamente.

Por enquanto, as palavras de Trump não se refletem nos fatos. Acabou com o acordo comercial Transpacífico, mas apesar de suas críticas, não deixou completamente o Acordo de Paris sobre o Clima, nem dinamitou o tratado com o Irã, impondo novas sanções.

Isto poderia mudar nos próximos meses, se a equipe de Trump transformar discursos como o da ONU em uma estratégia formal de segurança nacional.

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