O Brasil apresentou nesta quinta-feira (21) posicionamento oficial sobre as recomendações que recebeu do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ao longo do processo de Revisão Periódica Universal (RPU), durante a 36ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça. Das 246 medidas para garantia dos direitos humanos sugeridas por vários países, apenas quatro não foram acatadas.
De acordo com o governo brasileiro, as recomendações que não foram acatadas são incompatíveis com o sistema jurídico do país, incluindo regras constitucionais e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Brasil, que em outros momentos da revisão foi representado pela ministra dos Direitos Humanos Luislinda Valois, o que não ocorreu hoje, comprometeu-se a promover, em diálogo com a sociedade, medidas para concretizar as recomendações, bem como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável traçados pela ONU. A integração das propostas em leis, políticas e mecanismos atualmente em vigor e a adaptação de instrumentos normativos e planos foram apresentadas como ações que poderão ser tomadas nesse sentido.
Duas das medidas vetadas foram propostas pela Venezuela. A primeira recomendava “restaurar a democracia e o Estado de Direito, indispensáveis para o pleno gozo dos direitos humanos”, o que, na visão daquele país, foi abalado com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A outra defendia o fim do teto dos gastos públicos das despesas sociais para os próximos 20 anos, medida que ficou conhecida como PEC do Teto dos Gastos.
A representante brasileira, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, afirmou que o processo de impeachment foi acompanhado pelas instituições democráticas, que continuam em funcionamento. Isso comprova “o nosso apego à Justiça, ao Estado de Direito e, acima de tudo, ao caráter aberto e democrático da nossa sociedade e do nosso sistema político”, disse Maria Nazareth. Nesse sentido, a embaixadora destacou que as eleições do ano passado foram amplamente aceitas e que o pleito presidencial de 2018 está marcado.
Quanto ao limite para os gastos públicos, Maria Nazareth destacou que o país luta contra a recessão e tem mantido e mesmo expandido políticas sociais, como programas de renda mínima e moradia, voltados para proteger os brasileiros em situações vulneráveis. A reforma constitucional adotada, na visão do Brasil, objetiva “restabelecer o equilíbrio e a sustentabilidade das contas públicas e assegurar que a dívida pública se mantenha em um nível aceitável e não comprometa as perspectivas de desenvolvimento das futuras gerações”, conforme o comunicado oficial lido na reunião.
Outra recomendação não acolhida foi feita pelo Vaticano, segundo o qual o Brasil deveria “continuar a proteger a família natural e o casamento, formados por um marido e uma esposa, como a unidade fundamental da sociedade, bem como os nascituros”. Esta era a única recomendação que a sociedade civil brasileira pedia que o governo não acatasse.
Na última semana, a bancada de deputados evangélicos publicou nota afirmando que o governo havia se comprometido a aceitar a medida proposta. No entanto, em Genebra, ao destacar a recomendação da Santa Sé, o governo disse que o país “continuará a proteger as famílias compostas por um homem e uma mulher, pois protege todas as famílias, bem como os nascituros, de acordo com a legislação e as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto”. A questão está relacionada à possibilidade de aborto. No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida quando há risco à vida da mãe, quando a gravidez é resultante de estupro e no caso de o feto não ter cérebro.
A última recomendação não acolhida foi proposta pelo Reino Unido e pela Irlanda do Norte: seleção de candidatos nacionais para as eleições do Órgão de Tratados das Nações Unidas por meio de um processo aberto, baseado no mérito. No discurso oficial, o tema não foi tratado especificamente, mas o país demonstrou valorizar as instâncias internacionais.
Já as recomendações acolhidas tratavam de diversos outros temas, entre os quais segurança pública, direitos dos povos indígenas, migrações, sistema penitenciário, combate ao racismo e à discriminação de gênero. A íntegra das propostas pode ser verificada no site da ONU.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) foi objeto de recomendações, as quais propuseram o fortalecimento desse órgão colegiado, a fim de garantir a ele mais autonomia e independência orçamentária, administrativa e política. Vice-presidenta do CNDH, a defensora pública federal Fabiana Severo acompanhou a apresentação da posição do país, na sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, e comemorou as medidas sobre o colegiado.
Em relação à situação geral dos direitos humanos no Brasil, Fabiana Severo considera grave o cenário. Para Fabiana, “os compromissos assumidos pelo Brasil, e reiterados pelo Estado brasileiro na reunião de hoje, estão muito distantes do que tem acontecido na prática. Direitos humanos, em diversas frentes, têm sido violados no Brasil, em claro descumprimento aos compromissos internacionais”.
Fabiana Severo disse que o CNDH tem se debruçado sobre diversos casos de violações, como a falta de definição do reconhecimento dos direitos de titulação fundiária de comunidades indígenas e quilombolas e a atuação violenta da polícia em manifestações, e pretende adotar o procedimento de reportar aos organismos internacionais essas denúncias, a fim de buscar efetivar a implementação das recomendações.
Na reunião, organizações da sociedade civil brasileira também apresentaram posicionamentos. A Associação para a Prevenção da Tortura destacou a concretização de medida proposta no último ciclo de revisão, em 2012, com o estabelecimento do sistema nacional de prevenção à tortura e criando do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Segundo a associação, não foram criados mecanismos estaduais, à exceção de dois estados. No mesmo sentido, reconheceu o estabelecimento das audiências de custódia como passo para a garantia de direitos, mas ponderou que elas ainda não foram implementadas em todo o país. Além disso, a associação destacou que as condições de detenção no país “continuam deploráveis e que maus-tratos são generalizados”. Ela também cobrou a adoção de políticas para a proteção de grupos sociais frequentemente violados, como a população LGBT.
Amanhã, as organizações da sociedade civil do Brasil farão reunião para discutir os desafios da implementação efetiva das recomendações aceitas. A discussão será transmitido ao vivo pela Internet.