Cercados na cidade de Raqa, no norte da Síria, os extremistas do grupo Estado Islâmico (EI) obrigam os civis a segui-los para utilizá-los como escudo humano.
Famílias inteiras se encontram apinhadas nos apartamentos onde os membros do EI se entrincheiraram. E, quando os combatentes saem para pegar água, os civis devem acompanhá-los para protegê-los.
Diante da ofensiva da aliança curdo-árabe das Forças Democráticas Sírias (FDS), os "jihadistas" estão encurralados em seus últimos redutos em Raqa, visados diariamente pelos ataques aéreos da coalizão internacional liderada por Washington.
Em duas ocasiões, Oum Alaa e sua família foram forçados a acompanhar os extremistas, conta esta mãe enlutada, algumas horas após fugir a pé de Raqa.
"Várias semanas atrás, um combatente iraquiano (do EI) entrou em nossa casa e nos disse que estávamos em uma zona militar", lembra, sentada em frente a uma mesquita de Hawi al-Hawa, na periferia ocidental de Raqa.
Com seu marido, filho e neto de dois anos, Oum Alaa foi deslocada para um prédio vizinho. A família foi impedida de deixar o local, apesar das súplicas.
Três dias depois, todos foram levados para um prédio no distrito devastado de Al-Badou, onde há outras famílias.
"Fomos usados como escudo humano. Nos prenderam para se protegerem", relata seu marido, Abu Alaa.
Como todos os civis entrevistados pela AFP, ele não quis dar seu sobrenome, temendo represálias contra parentes ainda presos pelos extremistas.
Enquanto as FDS recuperavam gradualmente 90% de Raqa, graças aos bombardeios da coalizão, dezenas de milhares de civis conseguiram fugir dos combates.
Em seus últimos esconderijos, os extremistas se mantêm entrincheirados em prédios residenciais onde ainda há civis, afirma Mohannad.
"Eles tentaram se instalar no porão, ou no primeiro andar, dos nossos edifícios para se protegerem dos ataques aéreos", conta esta mãe, que conseguiu fugir de Al-Badu com seus quatro filhos.
À medida que os combatentes do EI se mudavam para casas abandonadas, Mohannad estendia roupas na varanda dos apartamentos vazios em seu prédio para que os "jihadistas" acreditassem que ainda havia pessoas.
Mas ela e seus filhos foram forçados pelos extremistas a se mudarem quatro vezes. E quando chegaram no bairro de Al-Badu não havia nada para comer.
Quando os civis são autorizados a buscar água, são mantidos por longas horas no poço, lembra Oum Mohammad.
"Os combatentes pegam água primeiro, e os civis precisam esperar sua vez por horas para protegê-los contra ataques aéreos", diz ela.
Seu filho mais velho, Mohammed, de 19 anos, deixou a casa ao amanhecer e por vezes de ausentava por seis horas para obter água.
"Poucos dias atrás, ele saiu e nunca mais voltou. Soubemos que houve um ataque aéreo, e eu não encontrei nem mesmo suas sandálias", lamenta Oum Mohammad.
Na terça-feira passada (3), um ataque da coalizão matou 18 civis que estavam recolhendo água em Raqa, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
No final de setembro, a coalizão internacional antiextremista reconheceu a morte de 735 civis em suas incursões na Síria e no Iraque desde 2014. Mas, de acordo com o OSDH, centenas de pessoas foram mortas apenas em Raqa desde junho.
Oum Alaa perdeu seu filho em um ataque aéreo. O farmacêutico morreu enquanto ajudava civis feridos.
"Para matar um único combatentes do EI, dez civis são mortos", lamenta, com a voz trêmula.
Muitos civis podem estar sendo mantidos como reféns do EI, principalmente em um hospital do centro de Raqa, de acordo com o porta-voz da coalizão, o coronel americano Ryan Dillon.
"A coalizão é extremamente cuidadosa em seus preparativos e em suas operações para garantir que nenhum dano seja infligido a civis inocentes", disse ele à AFP.
Mas essas precauções "não são suficientes", lamenta a diretora do programa da Human Rights Watch sobre Terrorismo e Contraterrorismo, Nadim Houry.
"Os civis poderiam ser salvos. Isso poderia significar atrasar as operações, avançar mais devagar, tomar mais precauções, talvez não usar uma bomba maciça contra um atirador", ressalta.