A oposição venezuelana enfrenta o risco de perder seus cinco governadores eleitos nas votações regionais, ante sua negativa a subordiná-los à governista Assembleia Constituinte e uma nova frente de conflito se abre em uma crise política sem sinais de solução.
A Constituinte, não reconhecida pela oposição e por governos da América e da Europa, juramentou nesta quarta-feira os 18 governadores da situação, enquanto os cinco opositores não compareceram. "Vitória popular!", gritou um chavista no plenário, no Palácio Legislativo.
"Quero parabenizar os governadores opositores (...) e estão formalmente convocados a se apresentar ante a Assembleia Constituinte", disse da tribuna a sua presidente, Delcy Rodríguez, sem fazer advertências neste momento.
A Mesa da Unidade Democrática (MUD), que não reconheceu o resultado das eleições ao denunciar anomalias, assegurou em um comunicado que não cairia "diante da chantagem da fraudulenta Constituinte", e que seus governadores apenas se submeterão ao mandato da Constituição.
O governo obteve 18 de 23 governos na Venezuela, após a confirmação nesta quarta-feira de sua vitória no estado de Bolívar, fronteiriço com o Brasil.
Com uma diferença de 1.471 votos, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) proclamou governador eleito de Bolívar Justo Noguera, um militar na reserva de 56 anos.
O deputado opositor Enrique Márquez denunciou o CNE "forjou atas" para favorecer Noguera.
O especialista eleitoral Eugenio Martínez garantiu que o poder eleitoral "somou" para Noguera "2.066 votos, suficientes para que 'ganhasse' a eleição" no estado.
A proclamação de Bolívar ocorreu a poucas horas do juramento dos governadores eleitos na Assembleia Nacional Constituinte
Maduro transformou as eleições regionais em uma validação de sua Constituinte, cuja eleição em julho foi acusada de fraudulenta pela MUD e pela empresa que forneceu os equipamentos eleitorais, e dispôs que os governadores eleitos se subordinassem a este órgão sob pena de destituição.
Não está claro o que acontecerá se os opositores forem destituídos, mas a Constituinte, com poderes absolutos, pode decidir seu futuro.
Segundo a lei, os governadores devem ser empossados ante os conselhos legislativos locais, a maioria governista.
"São governadores porque o povo os elegeu, não porque um conselho legislativo deseja juramentá-los ou não, e muito menos porque loucos delirantes se acreditam constituintes e não nos reconhecem nem em sua casa", assegurou o deputado opositor Freddy Guevara.
Os governadores opositores podem ter o mesmo destino que o Parlamento. A MUD teve ótimos resultados nas legislativas de 2015, mas suas decisões, com maioria qualificada, foram anuladas pela Justiça, acusada de governista.
"Entramos em um novo capítulo do conflito. A aspiração de Maduro, por este caminho tortuoso, é que legitimem a Constituinte", declarou à AFP o cientistas político Luis Salamanca.
As eleições foram questionadas por União Europeia, Estados Unidos, Canadá e 12 países da América Latina, que apoiaram a reivindicação da MUD de uma auditoria independente, pois acusam o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de servir ao governo.
"Onde está a fraude? Quais são as provas? Estamos certos da limpeza e pureza dos resultados", disse a presidente do CNE, Tibisay Lucena, convidada à sessão da Constituinte, ao defender um "processo impecável".
Maduro assegura que a Venezuela tem o sistema eleitoral "mais perfeito do mundo". Na terça-feira, disse que com o mesmo CNE serão realizadas as eleições municipais, ainda sem data, e as presidenciais do fim de 2018.
"Eleições com ou sem oposição", lançou Maduro, animado com os 54% dos votos em nível nacional obtidos pelo governo, apesar de sua impopularidade de 80% devido à crise econômica.
Diego Moya-Ocampos, do IHS Markit de Londres, disse à AFP que tudo "distancia as possibilidades de um diálogo e pressagia mais sanções" da União Europeia e mais medidas dos Estados Unidos.
A oposição descartou qualquer aproximação enquanto não for realizada uma auditoria da votação.
A oposição, que aparecia como favorita nas pesquisas, denunciou uma série de irregularidades no processo, como o uso de cédulas confusas e a realocação de última hora de zonas eleitorais onde o voto opositor era maioria.
Mas a MUD também começou a reconhecer sua responsabilidade, aprofundando suas divisões. Um de seus líderes, Henry Ramos, a cujo partido Ação Democrática pertencem quatro dos cinco governadores eleitos, admitiu que "a abstenção afetou terrivelmente".
Segundo analistas, muitos de seus seguidores colocaram na conta da MUD o fato de aceitar participar da votação com um juiz eleitoral questionado e outros não votaram decepcionados por não conseguirem retirar Maduro do poder com quatro meses de protestos que deixaram, entre abril e julho, mais de 125 mortos.
"Queremos resgatar o caminho eleitoral, temos que mudar o CNE e todo esse sistema eleitoral farsante", disse Guevara. Mas acrescentou que a MUD deve "passar por um processo de revisão real e profunda" de sua estratégia.
Para o analista Luis Vicente León, o governou ganhou porque se uniu, enquanto a MUD estava "rachada e desanimada". Mas avaliou que o resultado teria sido impossível em "uma eleição transparente".