Fechado, o WhatsApp virou terreno fértil para a proliferação de desinformação na campanha eleitoral brasileira, segundo grupos de monitoramento. A plataforma permitiu o compartilhamento de mentiras e distorções ao arrepio da lei, dificultando a identificação de responsáveis. Um levantamento de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Federal de Minas Gerais (UFMG), junto com a agência de checagem Lupa, mostrou que apenas quatro das 50 imagens mais compartilhadas em 347 grupos abertos eram verdadeiras.
A partir dessas informações, o grupo publicou um artigo no jornal americano The New York Times defendendo que o WhatsApp tomasse medidas para reduzir o número de compartilhamentos na plataforma, em uma tentativa de reduzir a onda de desinformação. O texto cita mentiras difundidas contra os dois presidenciáveis, mas foi tachado entre os eleitores de Jair Bolsonaro como uma “censura petista” sobre o aplicativo. O WhatsApp rejeitou as sugestões e informou que 90% do tráfego de mensagens no Brasil ocorre entre usuários, não entre grupos.
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“A parte suja da campanha eleitoral migrou do Facebook para o WhatsApp. E migrou porque o WhatsApp são redes privadas que não podem ser monitoradas. A gente observou que uma quantidade muito grande de desinformação está circulando nos grupos. Eu não sei quem está por trás disso. Só sei que são os mesmos atores semeando. E esses atores fazem mutirões para reprodutores, que estão reenviando. É isso o que a gente vê. Eu não sei se é da campanha oficial, se é da campanha paralela. Mas, na verdade, pouco importa. O que importa é o efeito”, argumenta o professor da USP Pablo Ortellado, um dos responsáveis pelo levantamento.
Editor do Comprova - iniciativa de 24 veículos de comunicação (entre eles o JC) para combater a desinformação na campanha de 2018 –, Sergio Ludtke afirma que o principal desafio para combater as mentiras no WhatsApp é que a tecnologia do aplicativo não permite mapear o que tem sido compartilhado nas conversas. “O impacto da desinformação é muito grande. Eu não sei se ela poderia mudar o resultado da eleição. Mas ela seguramente tem um impacto muito grande para a formação da opinião pública. A gente tem que lembrar que nós estamos em um momento de grande polarização. As pessoas tendem a acreditar bastante na opinião dos amigos e dos parentes. Não é todo mundo que tem discernimento para desconfiar do que vem desses grupos”, explica. Das 122 checagens já feitas pelo Comprova, 90% mostraram-se informações falsas.
O que fazer?
Para Yasodara Córdova, pesquisadora da Escola de Governo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o fato de planos de telefonia móvel oferecerem conversas do WhatsApp como gratuitas e cobrar pelo acesso a sites ajuda a entender o fenômeno. “Quase 70% dos planos de telefonia no Brasil são pré-pagos. E eles todos oferecem WhatsApp de graça. As pessoas recebem as mensagens e, como não têm como conferir, acabam acreditando”, diz.
O professor da UFMG Camilo Aggio diz não saber se há uma medida pouco controversa a se tomar no WhatsApp, porque o debate entra no terreno dos direitos e da privacidade. “O que se deve levar em consideração é que pelo WhatsApp podem circular campanhas difamatórias que ferem a honra e a dignidade das pessoas. É sobre esse ponto de vista que pode se pensar uma regulação dessa comunicação”, lembra.
Ferramentas como um detector de fake news desenvolvido pela USP e pela Universidade Federal de São Carlos recebe textos através de um número de WhatsApp ou por um site, faz uma análise linguística e avisa ao eleitor sobre probabilidade de aquela informação ser ou não ser verídica com base em um banco de dados de 7,2 mil textos. “A proliferação de notícias falsas ocorre nas redes sociais. E muita gente hoje no Brasil tem WhatsApp. Então, ficou muito claro que a gente deveria fazer alguma coisa para o aplicativo”, explica o doutorando da USP Roney Lira, programador do projeto.