A nomeação da advogada Flávia Piovesan, referência na defesa dos direitos das mulheres, para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi recebida com reservas tanto por militantes feministas e de movimentos pró-legalização do aborto quanto por seus opositores. Os primeiros põem em xeque a capacidade de articulação que Flávia terá no governo de Michel Temer. Os críticos da descriminalização rechaçam sua presença na pasta alegando que "o direito à vida é o primeiro direito humano".
O Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher no Brasil (Cladem Brasil), do qual Flávia é membro-fundadora, repudiou a nomeação. "Está todo mundo chocado com o fato de a Flávia usar sua legitimidade a serviço de um governo ilegítimo. As militantes de direitos humanos e do movimento feminista já manifestaram a ela o desacordo com essa decisão", disse a historiadora Carla Gisele Batista, do Cladem.
Em carta aberta, a entidade diz que Flávia vive uma "terrível ilusão", que o cargo é "um prêmio de consolação" às mulheres e pede que desista do posto.
Lenise Braga, presidente do Movimento Brasil Sem Aborto, afirmou que não se sente representada, como mulher, pela nova secretária "É bom que uma mulher esteja à frente dos direitos humanos, mas não uma mulher que compre a pauta do aborto. Trazer a pauta do aborto não é dar voz às mulheres", disse Lenise, professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB). "A mulher pode tirar o filho do útero, mas não pode tirar da cabeça nem do coração. O aborto é um problema para as mulheres, e a solução não está na legalização."
Voz às mulheres
A psicóloga Rosângela Talibi, uma das coordenadoras do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, elogiou as primeiras declarações de Flávia, publicadas ontem no Estado, sobre a necessidade de se dar voz às mulheres no debate sobre o aborto. "Espero que ela tenha espaço de articulação. Flávia já chegou contradizendo o ministro da Saúde (Ricardo Barros), um engenheiro, que disse que ia chamar as Igrejas para o debate e comparou o aborto ao crack", afirmou.
Flávia tem 47 anos e é professora-doutora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP. Em artigos, ela defendeu o Estado laico como forma de garantia essencial para o exercício dos direitos humanos.
Uma das principais lideranças evangélicas do País, Silas Malafaia criticou a escolha por considerar que o aborto fere o direito do nascituro, mas minimizou o poder de atuação. "Não é ministro ou secretária que muda esse assunto, é o Congresso, que representa o povo. Ela pode falar o que quiser. Só está jogando para a plateia."
Para Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a nomeação "é uma piada". "Eu só queria entender como uma pessoa que defende aborto pode estar numa Secretaria de Direitos Humanos. Não tem nada tão criminoso quanto matar quem não pode se defender. Não discuto aborto pelo viés religioso, e sim à luz da ciência", disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.