A família de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político durante a ditadura, vai tentar reabrir as investigações relacionadas a morte dele. O fato novo que motiva a tentativa de reabertura do caso são as declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) - na última segunda-feira (29), Bolsonaro prometeu contar ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, filho de Fernando Santa Cruz, como o seu pai desapareceu na época da ditadura militar.
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Na tarde desta terça-feira (30), entidades de direitos humanos de Pernambuco, fóruns e movimentos sociais junto com Marcelo Santa Cruz, irmão de Fernando, participaram de uma coletiva de imprensa, no Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), onde falaram sobre os pronunciamentos do presidente da República e medidas que tomarão motivadas por isto.
"Basta chegar na comissão interamericana com uma petição narrando os fatos que a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem a obrigação de investigar. O que nós temos hoje são novos elementos que podem ensejar uma discussão jurídica acerca do relatório do caso do desaparecimento de Fernando porque, na época, o caso foi encerrado considerando o processo de redemocratização. Sendo que a fala do presidente da República criou uma nova tese jurídica. O presidente diz ter fatos, ter conhecimento do que aconteceu com Fernando. Então, nós precisamos interpelar o Supremo Tribunal Federal (STF) e solicitar à comissão interamericana que retome o caso”, explicou Manoel Moraes, advogado da Comissão da Verdade.
Ação no STF e junto à OEA
Moraes acrescentou ainda que Felipe Santa Cruz já está entrando com uma ação no STF para exigir do presidente um pronunciamento em termos judiciais. Quanto à OEA, a família, por meio de Marcelo Santa Cruz e dos representantes que vão se constituir, com assessoria da Comissão da Verdade, fará a representação.
Entenda o caso
"Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto pra ele". Esta foi a declaração do presidente da República Jair Bolsonaro, na manhã da última segunda-feira (29). Antes de falar sobre o pai de Santa Cruz, Bolsonaro criticou a atuação da OAB no caso de Adélio Bispo, perguntando qual era a intenção da entidade e que a Ordem teria impedido o acesso da Policia Federal ao telefone de um dos advogados do autor da facada.
Ainda em sua fala, Bolsonaro disse que Santa Cruz não iria gostar de saber do motivo da morte de seu pai.
À tarde, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, filho de Fernando Santa Cruz, se manifestou em reação às declarações de Bolsonaro sobre o desaparecimento de seu pai na época da ditadura militar. Por meio de nota, Felipe pontuou que Bolsonaro demonstra "traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia".
Mais tarde, houve tréplica do presidente à reação de Felipe Santa Cruz. Bolsonaro afirmou que Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi morto pelos correligionários que combatiam a ditadura a fim de evitar o vazamento de informações confidenciais. "Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz", afirmou. "Não foram os militares que mataram ele não, tá? É muito fácil culpar os militares por tudo que acontece", disse.
Atestado de óbito
Vinculada ao Governo Federal, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos emitiu uma retificação de atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, na última quarta-feira (24), na qual reconhece que sua morte ocorreu "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro". A retificação foi emitida cinco dias antes de o presidente Jair Bolsonaro atacar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, e colocar em dúvida a versão de que seu pai, Fernando, foi morto pelas Forças Armadas, durante a Ditadura Militar. No atestado de óbito, também consta que Fernando Santa Cruz morreu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.
"Conforme reconhecido às páginas 1.601/1.607, do Volume III, do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, faleceu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro/RJ, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985", diz o documento.
Avó do presidente da OAB e mãe desaparecido político Fernando Santa Cruz, Dona Elzita Santa Cruz, faleceu no dia 25 de junho deste ano sem ter o direito de sepultar o filho. Ela ficou conhecida por lutar pela verdade após o sumiço de Fernando, quando chegou a percorrer prisões e unidades militares, enviar cartas aos ministros de Estado e presidentes da República, além de solicitar ajuda da Anistia Internacional e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em busca do filho.